terça-feira, 5 de outubro de 2010

"MEA CULPA"

Falar de política não é tarefa muito fácil. Isso acontece porque, além dos radicais, temos que conviver com aqueles que, mesmo não sendo extremistas, simplesmente não aceitam que o voto é individual, e implica simpatia, seja ela à pessoa, partido ou ideologia. Mas vamos lá!
Tenho muito respeito pela democracia. Sendo mais preciso, pelo processo democrático! Qualquer pessoa que esteja no pleno exercício de seus direitos políticos, e que preencha os requisitos previstos pela Carta Maior de nossa Nação, pode se apresentar perante os milhões de brasileiros, e candidatar-se para representar os cidadãos, tomar decisões por eles, em prol do chamado bem da coletividade. E qualquer um, com um mínimo de capacidade de gestão, pode e tem o direito – desculpem-me a repetição proposital – de lutar por esse direito.
Até aí tudo bem! O problema começa quando temos que conviver com a possibilidade de que alguns dos eleitos, salvo equívoco pessoal, não possuem a menor capacidade de gestão da coisa pública. E a coisa fica mais grave, na medida em que acabamos preferindo a vitória de um Tiririca em detrimento de uma Mulher Pêra, a qual mostrou sua indignação ao não ver apurado nenhum voto a seu favor, quando acreditava realmente que seria eleita. Convenhamos, no final das contas, sorte a nossa! E não estranharia se no meio do discurso do nosso Deputado Federal mais votado, fosse usada a expressão a que sempre se referiu aos seus ouvintes: “Abestados!”. Pois é assim que me sinto, um perfeito e legítimo abestado. Tenho que rir da minha própria desgraça.
Em contrapartida, a eleição para a Presidência da República mostra-se, no mínimo, instigante. Se de um lado o já ganhou da candidata à sucessão do Presidente Lula, Dilma Roussef, deu lugar à expectativa de um segundo turno, diante da vitória moral da candidata representante do Partido Verde, do outro se pode observar que o povo brasileiro está no caminho, mas ainda não se mostra cônscio de sua condição de cidadão, de valorizar essa pátria tão grande e não mais tão desimportante, como outrora já disse Cazuza.
Acreditar em um futuro melhor para o nosso país não pode ser encarado como um sonho. Antes de mais nada, tem que ser um objetivo. Dessa forma, eleger representantes que orientem diretrizes para o nosso bem estar e nos proporcionem melhores condições de vida não é apenas um direito político. É mais do que isso! Hoje, considero-a uma obrigação. E o erro é nosso quando pensamos que os culpados são eles. Depois de eleitos, quem tem que fazer alguma coisa no dia a dia somos nós, de modo a participar ativamente da cidadania, respeitar os direitos individuais e observar com atenção o que está sendo feito, porque não quero ver meus filhos reclamando que nasceram em um país onde nunca fiz nada para mudar. O caminho é longo, mas é nosso: meu e teu! Por isso, aqui faço um “mea culpa”. Vou procurar agir mais e reclamar menos. Tente fazer o mesmo.
E nesse ritmo, Brasil, quero ver a tua cara, na esperança de que um dia não exista mais quem pague pra gente ficar assim, tão desinformado, desnorteado e inconformado com a falta de direção, seja ela qual for. E talvez, quem sabe, não tenha que rir da minha própria desgraça!

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O JOGADOR


- Que desgraça, quantas vezes preciso dizer pra não me ligar no meio do jogo! – berrou Zizo com a mulher.
Os amigos nem se espantavam mais, apesar de um ou outro fazer uma cara de desgosto pelo modo como ele falava com a esposa ao telefone quando estava à mesa de poker. Dizia ele que trazia sorte, esse desagrado e irritação que provocava nela era tudo que precisava para começar a ganhar. E, coincidência ou não, tudo parecia conspirar para isso, porque era só ela desligar, furiosa com ele, que a sorte parecia surgir como num passe de mágica.
Infelizmente, Rita não sabia dessa superstição do marido, e talvez não o tivesse abandonado aquela noite.
Zizo chegou tarde, com muito dinheiro na carteira, mas com a cabeça dando voltas em razão do excesso de bebida alcoólica que havia consumido. Assim, só foi perceber a ausência de Rita quando levantou e foi tomar o café da manhã. A mesa não estava posta, e a mulher já tinha saído para o trabalho. Isso nunca havia acontecido.
Achou estranho, porém resolveu deixar as coisas esfriarem, pois sabia que ela ficava furiosa, mas depois sempre lhe dava mais uma chance. E ele nunca mencionava a tal superstição. Achava melhor assim. Com o dinheiro do jogo comprava algumas flores, e tudo ficava bem.
À noite, ela não voltou para casa, e percebeu que o armário dela estava entreaberto. Abriu-o e quase caiu para trás quando não viu nenhuma roupa guardada. Pensou em roubo, sequestro, mas logo se deu conta do que estava acontecendo. Ela havia partido.
Nos primeiros dias, tentou entrar em contato através do celular, sempre desligado. Tentou a casa da mãe dela, com quem ele não falava desde o primeiro ano de casamento. Os dois nunca se deram muito bem, por isso, logo que se identificou dizendo que estava desesperado atrás de Rita, a sogra desligou o telefone, não sem antes alertar:
- Finalmente ela recobrou um pouco de consciência, seu inútil! E não ouse aparecer aqui para procurá-la. Eu juro que chamarei a polícia!
Ele não se preocupou com o aviso, e foi correndo para o prédio da sogra. Só não imaginava que a ameaça seria concretizada. Teve de sair do edifício escoltado por dois policiais.
Algumas tentativas frustradas no trabalho dela, e decidiu que o destino se encarregaria de ajeitar as coisas.
Após duas semanas, resolveu retomar a vida, os amigos, o jogo das terças-feiras à noite. Se ela não o queria, outras apareceriam. Uma fila de mulheres desejavam um homem como ele: simpático, fiel, trabalhador e bom de cama (ele adorava dizer isso para si próprio, tentando se convencer que ela não conseguiria um amante melhor).
E na terça-feira seguinte, lá estava ele de novo, chegando à casa de um dos amigos com uma garrafa embaixo do braço, e com a expectativa de por em prática a sua técnica, e testar de novo a sua sorte. Para ninguém perceber nada, pediu para um sobrinho ligar por volta das dez horas da noite. Na hora combinada, o telefone tocou, e ele começou a gritar impropérios, como se estivesse falando com a esposa. O silêncio foi sepulcral quando, exatamente três minutos depois de desligar o celular, perdeu todas as fichas numa única aposta. Isso nunca havia acontecido. Nem ele acreditava na sua falta de sorte.
Essa situação se repetiu na semana seguinte, e na outra, até que pediu para o sobrinho não ligar mais, circunstância que não alterou em nada as derrotas contínuas. Depois de um mês, decidiu parar de beber, pois toda vez que chegava em casa, sem dinheiro e frustrado, percebia a ausência de Rita, e, fragilizado pelo álcool, notava que a existência dela em sua vida era mais importante do que podia imaginar. E chorava como criança.
Passados cinco meses, quando saía do supermercado, naquela terça-feira, antes de ir para a jogatina habitual, encontrou Rita. Ela parecia mais bonita do que nunca, e sua vontade era correr em sua direção, pedir desculpas, implorar para que voltasse, mas era orgulhoso demais para isso. Ela o olhou com tristeza, e passou por ele sem mencionar uma palavra. Zizo ficou com os olhos marejados, e, num ato-reflexo, gritou seu nome.
Rita parou, olhou por sobre o ombro, e continuou andando.
E ele, engolindo o orgulho, falou em voz alta:
- A culpa é minha, e sei que te devo explicações!
Ela parou, e Zizo foi ao seu encontro, acompanhando-a até o carro. Ajudou-a com as compras e foram tomar um café. Ele pediu desculpas, implorou que ela voltasse para casa, que sentia muito a sua falta, e explicou a razão de sua grosseria nas noites do poker. Ela não conseguia acreditar naquela besteira de azar no amor e sorte no jogo, a qual ele insistia em dizer que funcionava. De qualquer forma, apesar de relutante, aceitou as condições impostas por ela e prometeu nunca mais discutir ao telefone, principalmente nas noites de terça-feira.
Naquela noite, pela primeira vez, em anos, ele faltou ao jogo, porque decidiu que era mais importante recuperar o que acreditava ter de mais valioso. E, nas semanas seguintes, sempre que fazia suas apostas, tinha a sensação de que a sorte não lhe sorriria mais como antes. Não ligava, pois, mesmo perdendo, era o homem mais sortudo do mundo ao ver Rita sorrindo quando chegava em casa.

Final alternativo:
Ela parou, e Zizo foi ao seu encontro, acompanhando-a até o carro. Ajudou-a com as compras e foram tomar um café. Ele pediu desculpas, implorou que ela voltasse para casa, que sentia muito a sua falta, e explicou a razão de sua grosseria nas noites do poker. Ela não conseguia acreditar naquela besteira de azar no amor e sorte no jogo, a qual ele insistia em dizer que funcionava. De qualquer forma, apesar de relutante, aceitou as condições impostas por ela e prometeu nunca mais discutir ao telefone, principalmente nas noites de terça-feira.
Do supermercado foram direto para casa, transaram como há muito não faziam, e ele disse que precisava ir, porque tinha confirmado presença e era homem de palavra. Ela não acreditou que depois de tudo que tinha acontecido, ele a deixaria em casa àquela noite e iria jogar poker com os amigos. Discutiram, ela gritou com ele, disse que nunca mais queria vê-lo e, chorando muito, foi embora. Horas depois ele voltou para casa, completamente bêbado e desnorteado, mas com os bolsos cheios de dinheiro.
(qualquer semelhança com pessoas ou circunstâncias reais constitui mera coincidencia)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

A MORTE QUE SE VIRE SOZINHA!



Depois de quase três meses de abstinência literária, e de uma recente reflexão para modificar minha atitude em relação aos meus reais desejos de satisfação pessoal, decidi voltar a escrever. Além disso, vários amigos vêm me cobrando textos novos, e isso também ajudou para que saísse da inércia. Diferente do que possa parecer, não havia desistido, só andava sem muita inspiração... ou preguiça mesmo! O fato é que volto ao hábito de dividir com vocês meus pensamentos (ideias e ideais), enfim, a razão de existir deste blog.

Pois bem, o assunto de hoje tem relação com a intenção de melhorar minha qualidade de vida. Sendo mais preciso, decidi largar o cigarro! Finalmente criei vergonha na cara, e resolvi parar de comprar o meu câncer.

É provável que várias das pessoas que me conheçam, quando lerem essa crônica, fiquem espantadas, pois talvez nem saibam que eu, durante quase dezessete anos, fumei! Pois é, na fase adulta, trinta e poucos dias sem, e quase duas décadas com. Nos bares, em festas, no carro, em casa, nas viagens, qualquer lugar e motivo eram suficientes para puxar uma carteira e saciar esse desejo inexplicável. Por vezes, incontrolável. Quem fuma sabe do que estou falando. Conseguimos segurar a vontade por algum tempo, mas quando é protelada por horas, e sentimos a boca salivar, só o que se pensa é na necessidade de uma tragada para aliviar aquela sensação de falta, de algo que até agora não sei o que é. Digamos apenas que se trata de um vazio indefinido.

Confesso que seguidamente me envergonhava do vício. A roupa fedia, o hálito não era nada agradável, o paladar ficava evidentemente alterado, e a resistência física nem se fala, cada vez pior. Tantos contras que eu mesmo não acreditava que aquele pedacinho de papel enrolado com tanta porcaria conseguisse me dominar de um jeito sensivelmente irracional.

Outra coisa de que me envergonhava era o fato de ter começado a fumar numa idade em que já deveria ter alguma consciência do prejuízo futuro. Só que acender um cigarro parecia certo, a melhor coisa no mundo, um prazer momentâneo inconsequente, uma sensação de liberdade incondicional.

Em geral, associava a algum tipo de prazer, uma espécie de complemento às extasiantes noites divertidas, à pacificidade de um momento íntimo, um divisor de águas entre a tranquilidade e a excitação. Em contrapartida, havia os períodos solitários. Nesses, eu o considerava um passatempo. Na verdade, era mais do que isso! O cigarro era um companheiro invisível, porque a solidão com ele era bem mais fácil de ser assimilada. Um estado de espírito aceitável, a parceria silenciosa à espera de um amigo atrasado; um conforto bem-vindo nas horas que não passavam no aeroporto; um alívio causado por uma angústia. Uma forma de amortecer a dor.

Sempre que pensava em parar de fumar, acabava aumentando o consumo. Muitas das vezes era simples compulsão, como se tentasse retaliar minha decisão, uma espécie de compensação ao fato de saber que um dos meus melhores prazeres estava com os dias contados. Em outras, pura ansiedade mesmo pela chegada do dia fatal. Sei que impor um dead line é fundamental, mas quem disse que eu conseguia. Foram inúmeras vezes que cheguei muito perto. Muito perto mesmo!

Bem, depois de acender e tragar uma centena de cigarros na minha vida, e de passar pela experiência de várias tentativas frustradas para acabar com esse vício que me satisfazia de uma forma que sempre achei duvidosa – uma dessas tentativas quase foi bem sucedida (repito: quase), já que durou uns dez meses – decidi que era hora de me reinventar em definitivo, e resolvi viver de um jeito diferente, sem um desses prazeres que causa tanto desprazer ao longo do tempo, consciência que só fui adquirir recentemente.

E nessa nova fase estou me sentindo muito melhor, de consciência limpa por estar me cuidando de forma correta, menos culpado em relação às minhas escolhas, e muito mais vivo, por assim dizer. Se minha vida agora fosse um poema, poderia dizer que o gosto não sente mais vergonha do beijo, o corpo lembra agora uma poesia em silêncio, feita só de cheiro, e o futuro está vindo aos poucos, por conta própria, sem ninguém que o impeça de ocupar seu espaço.

Então é isso, estou novamente me impondo regras, estabelecendo uma nova postura diante das minhas atitudes, à espera ansiosa do sucesso da minha decisão. Tenho certeza de que dessa vez vou conseguir, e sabem por quê? Porque agora tenho uma excepcional razão para seguir adiante, um motivo que intensifica minhas emoções e faz eu querer mais, criando em mim expectativas de ir mais longe, o máximo que der. Cada um deve achar a sua, eu encontrei a minha.

Enfim, larguei o cigarro, e querem saber, estou acreditando muito mais em mim desta vez. Mas posso afirmar para quem estiver lendo essa crônica que não é nada simples, porque a vontade ainda tenho, apenas que agora exerço um controle maior sobre ela. É complicado, mas vamos lá!

E diante de tudo que estou passando, cheguei a uma conclusão em relação às experiências que tive: largar o cigarro é fácil! Difícil mesmo é parar de fumar.


segunda-feira, 26 de abril de 2010

PARA SEMPRE: ELE E ELA

No alto daquele edifício, apenas observava as luzes da cidade. À sua volta havia pessoas, a maioria delas desconhecida. Foi quando a viu chegando, incrivelmente linda. Ela nem o notou. Mas ele percebeu, num único instante, o que o coração por vezes demora uma vida inteira pra dizer. Foram apresentados. Era pra ser! Ela achou que o conhecia. Ele, que acreditava em vidas passadas, já sabia. Conversaram. E, logo em seguida, se afastaram...
Falou com outra. Ela notou! De repente, voltou. E a noite assim transcorreu até a hora em que trocaram mais que olhares, todos os sentidos aflorados pelo toque das mãos. Pegou-a pelo braço. Ela deixou-se levar. E, sentindo o frio da noite, encostaram seus lábios e aqueceram-se, enternecidos...
Mas essa história não podia ficar assim, sem um fim. Encontraram–se dias depois. E mais outro. Viajaram juntos e trocaram juras de amor; só queriam estar perto todo o tempo do mundo, sem entender por quê. Mas seria preciso saber? “A gente simplesmente quer!” – diziam eles, e isso bastava para os dois. E pensavam: “Ah, seja o que Deus quiser, seja o que for!!!”.
Estranhos que antes nunca se encontraram, mas que sentiam se conhecer a vida toda. Amantes que dividiam seus sonhos, e falavam do céu e do mar, do sol e da luz refletida pelo luar. Foram passando o tempo juntos, uma expectativa por saber o que aconteceria depois. E não sabiam o significado do que todos chamavam de felizes para sempre, mas decidiram que iriam descobrir. E assim, desse jeito curioso, transformaram o que sentiam um pelo outro na primeira e mais linda história sem fim...

segunda-feira, 12 de abril de 2010

GATO PRETO


Ainda lembro o dia em que conheci meu amigo de infância e vizinho de praia. Gerônimo era daquelas crianças tímidas, sem amigos, um gordinho sem graça. Minha mãe insistiu para que os novos vizinhos viessem jantar com a gente. Achei um saco! Por conta disso, tive que sair mais cedo do jogo de futebol de rua, a maior curtição naquela época. Aquele cara, além do nome engraçado, tinha uma cara de nerd, um perfeito abobado que usava umas roupas estranhas. Durante o jantar ele mal levantava o rosto, e apenas emitia grunhidos num sentido afirmativo quando minha mãe perguntava se queria comer mais massa. Acho que deve ter esvaziado uns quatro pratos. “Chega, filho!”, dizia o pai dele, parecendo constrangido.
A cada verão que chegava, era obrigado a suportar a sua companhia lá em casa, uma vez que meus pais e os dele se tornaram grandes amigos. Ainda bem que moravam no interior, e só nos víamos na praia, senão teria que aguentar isso durante todo o ano. Não apenas os jantares a que me obrigavam a participar, mas a insistência dos meus pais para que eu me aproximasse dele me incomodavam muito.
Com o passar do tempo, fui me acostumando àquela inconveniente presença, e o ignorava, até o dia em que, numa daquelas festas organizadas para adolescentes, uns garotos bem mais velhos do que eu resolveram aleatoriamente me eleger como saco de pancadas. Foi voltando pra casa, sempre mantendo uma boa distância daquele garoto encorpado, a quem me impuseram ser amigo, que ouvi uma voz chamando:
- Imbecil! Tá achando que vai aonde? – gritou comigo um garoto mal encarado, acompanhado de dois amigos, que mais pareciam guarda-costas.
Resolvi não responder e apressei o passo, mas não adiantou. O maior deles veio correndo e, sem que eu percebesse, acertou-me uma voadora. Quando caí, ainda meio tonto e sem ar, e apavorado com o que estava por vir, observei que Gerônimo lutava com eles. Deu um soco num, um chute noutro, e juntando os punhos ao queixo, lançou um olhar cheio de ódio para aquele outro rapaz menor que havia gritado comigo. Ele bem que tentou, mas seu soco foi desviado, e em apenas três movimentos, Gerônimo derrubou-o e, aproximando-se de mim, estendeu uma mão e disse sem olhar nos meus olhos:
- Vem! Corre!
Olhei para trás e os três ainda gemiam no chão. A partir desse dia nos tornamos bons amigos, apesar de ainda achar ele muito estranho. Nunca entendi como podia ser um monstro de tão forte, lutar daquele jeito, e ao mesmo tempo mostrar-se tão submisso aos pais, tão amável com eles.
Vinte anos depois nossa amizade de verão ainda continua, mas não tem mais o convívio de antes, seja pelo trabalho, que me possibilita vir apenas nos finais de semana, seja pela carência da minha esposa. Hoje em dia, inclusive, ela exige ainda mais, de um jeito quase irritante, que eu esteja sempre perto para cuidar dos gêmeos. Eles nasceram em março, e requerem um cuidado literalmente redobrado.
Nessa sexta-feira, quando cheguei na praia, minha mulher reclamava de um gato preto que não saiu do pátio durante toda a semana. Fui até lá, e avistei o felino. Adoro cachorros, mas gatos me irritam. Parecem-me impassíveis aos humanos, como se fôssemos dispensáveis. Não confio nem um pouco neles, ainda mais agora que tenho filhos. Ouvi falar que transmitem toxoplasmose, e eu não correria esse risco. Por isso, fui em sua direção e o espantei. Dez minutos depois, lá estava ele novamente.
- Gato idiota! – gritei, sem a menor paciência.
E corri novamente de encontro a ele. Fugiu. Alguns minutos depois, lá estava o bichano mais uma vez. “Está se achando mais esperto do que eu, é?!”, pensei, com um leve sorriso no rosto, mas indignado. Entrei em casa, fui ao quarto, e voltei. Eu o observava de longe. E, lá fora, já estava escuro.
Ele ficou inerte durante uns cinco minutos, parecia que fitava a lua. Hipnotizado. Aproveitei o seu momento de distração e cheguei sorrateiramente perto dele com um lençol. Consegui apanhá-lo, transformei aquele tecido num saco, dei um nó, e gritei para minha esposa dizendo que já voltava.
Devo ter dirigido por umas dez quadras, e desliguei o motor. Desci do carro com ele nas mãos, desfiz o nó e o bicho saltou de lá num miado agudo, não sem antes cravar aquelas garras em mim.
- Ai, gato filho da puta! – gemi, apertando o braço, na área em que fui atacado.
Voltei para o carro, ainda sentindo dor, mas aliviado com o êxito do meu plano.
Quando cheguei em casa fui ver os gêmeos, dei um beijo em minha mulher, contei o que tinha acontecido, e lhe mostrei o que o gato havia feito. Ela ficou horrorizada, mas pude perceber o alívio em seu rosto. Fiz um curativo em meu braço, desci ao pátio para tomar um vinho, sentar em minha cadeira preferida, e apreciar o resto daquela noite. Já estava na terceira taça, quando ouvi um miado. Era ele de novo, no mesmo lugar em que eu o havia encurralado.
Levantei sem paciência alguma, fui até lá, a passos leves, e agarrei-o por trás, pelo pescoço. Lancei-o com força em direção ao terreno baldio que circundava o meu. Um miado estridente seguido de um barulho seco, e tudo ficou silencioso. Olhei por sobre a cerca, mas a escuridão me impediu de ver o que tinha acontecido. Fui até a garagem e peguei uma lanterna.
Ao iluminar aquele espaço em que o havia atirado, apavorei-me com a cena que vi. Ele tinha caído em cima de umas garrafas quebradas que estavam no chão, e o bicho acabou empalado. Uma das garrafas atravessara aquele corpo mole, e ele ficou estaqueado com as pernas traseiras apontando para baixo, e a cabeça do outro lado, também pendia inerte. Senti ao mesmo tempo nojo e pena, mas não havia mais nada que eu pudesse fazer. Era uma mistura de pelos, carne e sangue esparramada no terreno abandonado. Aquele líquido vermelho escorria por entre os cacos de vidro, escurecendo tudo ao seu redor. E pensei conformado:
- Amanhã eu vejo o que vou fazer. Agora já é tarde.
Sentindo-me arrependido, pedi desculpas inutilmente àquele animalzinho imóvel, e ainda abalado com o que tinha acontecido, fui em direção à porta de casa. De repente, Gerônimo apareceu:
- Oi, cara! Como andam as coisas? – falei, aliviado por encontrar um rosto amigo.
- Tudo bem, mas estou chateado. Não consigo achar meu bichinho de estimação.
E uma pergunta inocente e triste retumbou em mim como aquela voadora que levei anos atrás:
- Você não viu meu gato preto?

segunda-feira, 5 de abril de 2010

NEM PENSE EM NÃO SER FELIZ!




Sem dúvida alguma, a Praia do Rosa, em Santa Catarina, é um daqueles lugares a que podemos atribuir a existência de uma energia diferenciada. Revitaliza, pacifica, e potencializa a nossa própria energia. Cheguei de lá ontem à noite, com uma sensação de leveza na alma, renovação no espírito, poucas vezes sentida por mim. Mas o corpo, ah, esse está um bagaço. Culpa de quem? Das oito horas de viagem na volta pra casa.

Desculpem, mas estou indignado! Oito horas é demais. Não para uma viagem, mas para o percurso percorrido. Em condições normais, não demoraria mais do que quatro horas. E querem saber a causa da lentidão no trânsito? Obras inacabadas na estrada, principalmente em focos que considero primordiais para resolver o problema, o que poderia ser solucionado com um pouco mais de organização. Por que não juntar esforços para resolver esses problemas específicos antes de se dar continuidade a um projeto de tal importância? Ou eu sou muito burro, ou quem fiscaliza o andamento dessas obras, cuja previsão de encerramento era 2008 (?), é cego ou deve estar tendo sérios problemas nesse processo, e aí eu calo a minha boca.

Bem, mas o que interessa – e é sobre isso que quero falar – é que com todas as dificuldades, a viagem de volta tinha tudo para ser estressante, irritante, massante, todos esses adjetivos que rimam e combinam com aquela sensação de perda de tempo. Curiosamente não foi! Durante o caminho, eu e um amigo (uma espécie de irmão que a vida me deu) fomos cadenciando de forma divertida o tempo considerado perdido, alternado por momentos preciosos de silêncio. E num desses momentos, vendo o tempo simplesmente passar, é que comecei a divagar sobre um assunto.

Comecei a pensar naqueles períodos difíceis desse percurso chamado vida, de tristeza, de angústia, de desespero, péssimos momentos que fogem ao nosso controle, e que por vezes parecem não ter fim. A perda de um amor, a morte de um ente querido, a impotência pra resolver uma situação extrema, como uma doença grave na família, a visão de uma cena violenta e chocante seguida da sensação de repulsa e indignação, uma agressão verbal e gratuita. É, a vida é repleta desses acontecimentos ruins, e não há nada o que se possa fazer.

Acontece que existe algo sobre o qual temos controle absoluto e quase sempre nos esquecemos disso. Estou falando dos outros momentos, e que são a maioria! Daqueles que, de modo consciente, nos permitem sermos senhores de nossos atos, nos fazem agir por simples impulso, ou apenas nos proporcionam observar a vida sem interferência. Em todos eles deveríamos perceber o que isso significa, e chegar à conclusão inevitável: viver é perfeito demais! Na hora em que as pessoas se derem conta disso, cada abraço, beijo, olhar, sorriso ou diálogo terá uma sensação diferente, distinta da simples ideia de que representam apenas os cinco sentidos.

Reflito sobre isso e não consigo descobrir a razão para não valorizarmos tudo a todo o momento, e nos sentirmos sempre felizes. Em paz, no mínimo! A isso eu chamo de viver, incondicionalmente. Aproveitar o que temos à nossa volta deveria ser uma obrigação constante, e não uma opção, sem esquecer de que ainda podemos melhorar a cada dia. Os japoneses têm até uma expressão para isso: kaizen, que significa melhoria contínua, gradual.

Tenho visto pessoas que reclamam demais, exigem ainda mais, de si e dos outros, quando na verdade deveriam estar vivendo com a consciência plena de que o amanhã pode não estar mais lá, do jeito que sempre gostaram e só não percebiam. Com isso, não estou dizendo que devemos nos conformar, ficando na inércia, deixando tudo como está. Em realidade, a mudança é mais do que imprescindível para esse aprimoramento pessoal. Apenas não se pode ficar impassível diante dos detalhes que nos cercam, da beleza que as minúcias representam, da valorização individual das nossas escolhas e, somado a isso, da busca incessante pela concretização dos nossos sonhos.

Eu já decidi! Não vou mais perder meu tempo. Nem pensar em não ser feliz. E com a certeza de que quero voltar assim que for possível para aquele lugar espetacular que me deu tanto prazer, e me fez tão bem. Mas com a esperança de que os percalços para chegar até aquele paraíso estejam resolvidos. Estou ansioso para que chegue 2008!


domingo, 21 de março de 2010

VIVER PARA SEMPRE


Existe uma razão para tudo na vida. Inclusive para o fato de eu estar na frente do computador hoje, postando essa crônica que você está lendo.

Tudo começou com um sonho que tive. O sonho da minha morte, do fim dos meus planos, da minha vida, mas um recomeço para outras pessoas, o início de uma vida da qual não participaria mais. O que aconteceria a partir de agora provavelmente não faria a menor diferença para mim, afinal de contas eu não estaria mais aqui mesmo.

Acontece que no meu funeral as pessoas lamentavam com pesar a minha ausência infinita, a falta que faria. Dentre os amigos e familiares que falavam sobre minha vida, surgiram lembranças de momentos que passamos juntos, evidências aparentes de que nossa vida sempre encosta na dos outros, e deixa marcas indeléveis, mesmo que não se perceba. Mas até quando?

Por coincidência do destino, li em uma crônica da Martha Medeiros, alguns dias depois, que a nossa existência não finda com a morte física, circunstância inevitável na vida de todos. Não, definitivamente não! A nossa morte de fato acontece, sim, com a morte da última pessoa que lembrar e falar de nós, que tiver a sua vida tocada, de um jeito ou de outro, por alguma coisa que fizemos ou dissemos. É inegável, portanto, que nossos atos representam o marco inicial para que possamos viver mais, viver eternamente, se assim fosse possível.

Não lembro qual foi a época em que ouvi aquela expressão de que uma pessoa só deve morrer depois que houver tido um filho, escrito um livro e plantado uma árvore. Nunca fez muito sentido para mim, até o dia em que li aquela crônica.

Ninguém quer ser esquecido! Eu, pelo menos, garanto que gostaria de partir deixando um legado, uma história que valesse a pena ser contada, momentos que tivessem um valor inestimável para serem lembrados. Sinto falta daqueles amigos que já foram, uns mais cedo do que outros, mas o que realmente importa é que lembro e falo deles até hoje, mantenho a salvo a sua memória dentro da minha.

Assim, tudo isso pode ser visto da seguinte forma: ter um filho provavelmente não seja uma opção para todos. Talvez nem um desejo. Mas com certeza é uma rara oportunidade de legar às futuras gerações um pedacinho de nós. Plantar uma árvore com certeza reflete um auxílio real e concreto para que nossa prole cresça melhor, e possa ter uma vida que de fato mereça esse nome. Agora, escrever um livro – e nesse sentido nenhuma restrição ao seu instrumento, pois vale tudo, desde que fique registrado em algum lugar o que pensamos, criamos, refletimos e amamos – identifica nossas ideias aos nossos desejos e ideais, representa o que somos, escritores, poetas, filósofos ou artistas, seres que pensam e sentem, e são capazes de tudo, inclusive de evitar serem esquecidos, e de permitir viver além da própria existência.

Essa é a origem desse blog. Essa é a origem do livro que comecei a escrever.

Obrigado, Martha Medeiros!!!

segunda-feira, 15 de março de 2010

O TARADO

Júlio não se sentia nada bem, numa necessidade de urinar fora do comum. Precisava de um banheiro urgente, mas como tinha ido àquele shopping center apenas para pegar uma encomenda, e sabia que não demoraria, decidiu ser rápido para não ter que pagar o estacionamento. Coisa de pão-duro, ele sabia, mas conseguiria aguentar, afinal de contas, de carro, não demoraria mais do que 15 minutos até chegar em casa.

Saiu apressado do shopping, conseguindo evitar o pagamento. Mas a partir dali arrependeu-se amargamente. Nos minutos que se seguiram, o suor descia pelas têmporas, pelas costas, calafrios pelo corpo todo, maldizendo essa sua mania idiota de economizar com bobagens, afinal de contas quatro reais eram uma pechincha frente ao sofrimento que estava passando. Uma dor lancinante na lateral do abdômen fazia com que perdesse a paciência com os outros motoristas que se demoravam a arrancar quando o semáforo abria, que andavam lentamente naquele trânsito infernal. “Imbecis!!! Ninguém mais sabe dirigir hoje em dia!”, esbravejava de dentro do carro.

Em alguns minutos, que lhe pareceram horas, não conseguia mais raciocinar. Foi quando, num lampejo de lucidez, lembrou de um supermercado que havia no caminho. Lá ele recordava de um banheiro, e quase urinou nas calças só de pensar em estar na frente do vaso sanitário.

Sem pensar em mais nada, aumentou a velocidade, e quase atropelou um moto-boy que ultrapassou o sinal vermelho. Poucos minutos depois chegava ao tal supermercado. Desceu do automóvel correndo, e esqueceu até de verificar se havia trancado as portas. “Azar, podem levar esta merda”, pensava ele, impaciente.

Com muita pressa, e andando de forma desesperada e contorcida, subiu as escadas até o segundo andar a passos largos, e entrou no corredor em que havia os banheiros, ultrapassando a primeira porta que viu. Sem pensar em mais nada, já foi entrando em um dos boxes e abaixando as calças. Chegou a se sentar, tamanha a dor que sentia. E o alívio foi imediato! Chegava a sorrir sozinho, divertindo-se consigo mesmo só de lembrar de sua sovinice.

Foi quando, num relance, pensou não ter visto aqueles vasos sanitários de parede, que costumeiramente se vê nos banheiros masculinos. Será que teria entrado no banheiro... não, não podia ser! E começou a ouvir vozes de crianças, de meninas rindo e conversando. Vozes que se aproximavam rapidamente, até que teve a certeza do seu equívoco, e de que na pressa havia errado a porta. Definitivamente, aquele era o banheiro feminino.

As crianças falavam sem parar, e riam. Brincavam entre elas. Ele rapidamente fechou a porta do box em que estava, e percebeu que a porta não o escondia completamente, já que possuía um vão de uns 20 cm na altura dos pés. Sentado, elevou as pernas apoiando-as contra a porta. Não sabia mais o que fazer. Estava desesperado. E as mães das meninas entraram logo em seguida.
Não tinha dúvidas de que se o descobrissem gritariam, chamariam a segurança, quem sabe até a polícia! Tarado seria o menor dos adjetivos. E a vergonha o menor de seus problemas.

Outras vozes femininas invadiram o ambiente, três jovens falando da noite anterior, do “gatinho” que uma delas tinha beijado, irmão de um outro que era um espetáculo de homem, segundo uma delas que falava toda empolgada. Não paravam de conversar, emendando um assunto no outro.

Uma das crianças entrou no box ao lado do dele, e pode ver pelo reflexo no chão, apesar da visão não possuir a menor nitidez, que ela abaixara as calças e sentara no vaso sanitário. Ficou mais desesperado ainda. Se ele conseguia ver o movimento que ela fizera, provavelmente ela também poderia vê-lo. E saberia pelas feições, mesmo que disformes, que se tratava de um homem que estava no vaso ao lado do seu. E gritaria, com certeza!!!

Naquela agonia que lhe proporcionava um calor descomunal, o suor começou a escorrer pelo rosto. A posição que se encontrava também não parava de incomodá-lo, superdimensionada pela dor no nervo ciático. E não tinha a menor ideia de como sairia daquela situação, já que a cada mulher que ia embora, outras duas entravam. E a menina ao seu lado saiu sem perceber a sua presença. "Graças a Deus!", suspirava aliviado.

Júlio olhou no relógio e notou que já estava ali sentado há mais de 45 minutos. E nenhuma perspectiva de ir embora. Aquelas duas mulheres que ainda restavam no banheiro não paravam de falar de um creme para o rosto que fazia milagres, e que uma delas adquirira por um preço bem acessível.

De repente, ela decidiu mostrar o tal creme e abriu a bolsa. Ao retirá-lo de dentro dela, duas moedas caíram no chão e rolaram por debaixo do box onde ele se encontrava. Pavor total! Elas começaram a rir, vendo que havia alguém lá dentro. Ele, para que elas pudessem ir embora de uma vez, entortou-se todo, já que estava com as pernas esticadas, e empurrou as duas moedas para fora do box. Elas caíram na gargalhada, agradeceram, ainda rindo, e foram embora.

Silêncio... Levantou-se, quase não sentindo mais as pernas que estavam dormentes, abriu a porta bem devagar, e saiu. No mesmo instante, uma senhora entrou no banheiro, e olhou para ele, parecendo desconfiada. Ele retornou o olhar para a idosa, e, andando em direção à saída, disse, com a maior cara de pau:

- A Sra. não pode usar este vaso. Está entupido e só amanhã vou poder consertar.

sexta-feira, 5 de março de 2010

SIMPLESMENTE MULHER...


A
expressão mais linda da gênese
Refletindo a sensibilidade e delicadeza do ser,
Extrapola a pretensão do querer,
Querer te ver, querer-te ser, querer te ter...

É você que faz da vida a própria vida,
É você que faz a paixão ser tão querida
E é você que com seu jeito caloroso
Faz tudo parecer bem mais gostoso.


Embora obstaculizado por momentos
O amanhã você deixa colorido
Com seus sentidos, ou mesmo, sentimentos
Você deixa todo o mundo sorrindo!

Ser essencialmente essência
Que pela perfeição única de sua existência
Sustenta em seu âmago
O intuito de ser o que quer,
De ser o que é,
Simplesmente mulher...

(Nota do autor: uma homenagem ao Dia Internacional da Mulher - 08/MAR)

domingo, 28 de fevereiro de 2010

O RIO DE JANEIRO CONTINUA LINDO


Voltei! Fazia um bom tempo que não aproveitava tanto as minhas férias. Aliás, havia uns três anos que não ia ao Rio de Janeiro. Decidi que iria passar o carnaval na capital fluminense, e aproveitei para protrair minha estada por lá por mais uma semana, considerando minha paixão confessa por aquela cidade.

Antes, preciso esclarecer que sou daqueles caras viciados em carnaval, daquele de raiz, com direito a rodinha de samba, bloquinho de rua, desfile no sambódromo, enfim, do carnaval que contagia até quem não é muito familiarizado com ele. E não há melhor lugar no mundo para isso do que o empolgante Rio de Janeiro. Isso eu posso garantir!

Entretanto, confesso que o que mais me impressionou esse ano não foi o carnaval em si, mas os lugares e as pessoas que conheci. E cada situação que presenciei, podem ter certeza, dignas de um folhetim vespertino. Fui a lugares que nunca tinha ido, conheci melhor as pessoas que já conhecia, fiquei encantado com elas; fui apresentado a outras que nunca tinha visto, e que passaram a ser minhas amigas. Lembranças e mais lembranças de um carnaval prolongado.

Para não parecer enfadonho, vou descrever apenas a minha chegada na cidade maravilhosa, acontecimentos daquele primeiro dia de muito calor, até porque não pretendo fazer um relato da viagem, mas apenas dar uma noção das divertidas situações que presenciei.

Logo na chegada fomos de metrô à região central da cidade pegar os ingressos para o desfile das escolas de samba do grupo especial que ocorreria nas noites de domingo e segunda-feira. As esposas e namoradas que faziam parte da “trupe” ficaram na Zona Sul. Sim, não posso definir o nosso grupo de modo diferente, diante de cada artista que fazia parte dele. Enfim, nós, os homens, em número de oito, seguimos em direção ao metrô da estação Siqueira Campos, e, depois de uns 15 minutos, descemos no terminal Uruguaiana. Pegamos os ingressos no escritório da Liesa (Liga das Escolas de Samba do RJ), e resolvemos caminhar pelo centro, uma rápida incursão por uma região que para alguns – inclusive para mim – era completamente desconhecida.

Depois de caminhar naquele calor infernal por quase uma hora, avistamos o Bar e Restaurante Amarelinho, fundado em 1921, e que, como não poderia ser diferente, fica em um prédio amarelo, de esquina, ao lado da Câmara de Vereadores, próximo do Teatro Municipal e da Biblioteca Nacional.

Antes mesmo de sentar, avisei meus amigos que queria um chopp bem gelado e fui ao banheiro. Entrei, escolhi um daqueles vasos sanitários de parede, e ao meu lado um senhor careca falava sozinho. Olhei no relógio: cinco da tarde, e o homem naquela manguaça. Usava um avental amarelado (provavelmente trabalhava lá), e falava indignado com o próprio órgão reprodutor, numa intimidade admirável. Adianto que vou alterar um pouco as palavras, até para não chocar os mais desavisados, mas era mais ou menos assim que ele dizia:

- Mija, pau velho, mija, desgraçado! Já entrou em tanto buraco, e agora fica me desapontando... mija, que depois eu te compenso!!!

Imediatamente, lembrei de uma frase de um amigo: “Que loucura o carnaval no hospício!” Nada melhor para definir aquela cena.

Retornando à mesa, ainda limpando as lágrimas (de tanto rir) e o suor que escorria pelo rosto, tomamos os nossos chopps; depois mais outro, e mais outro. Pagamos a conta, e seguimos de volta para a Zona Sul, mais precisamente Copacabana.

Devidamente instalado no flat, senti que o cansaço tomava conta de mim, até porque já eram oito e meia da noite. Sabia que precisava descansar para sair à noite – provavelmente em algum lugar na Lapa –, mas um último destino me aguardava antes de deitar para recuperar a energia para mais tarde. Coloquei uma sunga e fui até o calçadão. De lá, para as areais de Copacabana. E, num piscar de olhos, estava mergulhando no mar.

A visão daquela cidade à noite, a vibração dos sons à minha volta, a energia pulsante em todos os cantos, tudo indicava uma única certeza: o Rio de Janeiro continua lindo...


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

NOVAS POSTAGENS

Pois é, galera! Férias é bom, até pra uma breve reciclagem, mas vamos retomar o ritmo. Depois de um mês de leitura, algumas viagens, e inúmeras novidades, muito assunto para abordar, muitas histórias para inventar e outras tantas para reinventar. A partir de semana que vem, novos textos serão postados semanalmente.
Aguardem!!! Quem viver, lerá...

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

AMIGOS VITAIS


Vinícius de Moraes certa vez disse que “a gente não faz amigos, reconhece-os”. Ninguém menos do que um perfeito gênio poderia ter dito tanto, com tão poucas palavras. E justamente por ser meu preferido, inspiro-me nele para escrever algumas palavras sobre os meus amigos, expressões da mais pura verdade.

Lentamente, a vida aproxima pessoas que se tornam amigas, assim de repente, amores constantes e sólidos, não daqueles que vem e que vão, lembranças desde criança, ou não. Dos amigos não se espera nada além do que são, só se quer a sua amizade, que nos traz tanto conforto, tanta felicidade.
Realmente, meus amigos representam meu tesouro mais precioso. Ditam o meu bem estar, sintonizam os meus dias numa onda de tranquilidade, que me permite acordar e ter a certeza de que felicidade existe sim, mas nunca sem eles.
Sinceramente, a dedicação que dispenso aos meus amigos não chega aos pés do quanto os amo. É que nem sempre meu carinho consegue ser fiel aos meus sentimentos, e a necessidade de que eles saibam disso, de um jeito ou de outro, fez com que eu buscasse a inspiração necessária para escrever essa crônica, uma espécie de homenagem.
Efetivamente, a cada dia que passo longe deles, é simplesmente isso, um dia que passa, sem o brilho que deveria ter. Mas quando estão ao meu lado, é como se tudo ficasse melhor, tivesse um algo a mais, quem sabe mais cor, de repente mais gosto, sabor, exatamente o oposto do que me sinto quando estou sem eles.
Certamente, e disso não tenho dúvidas, muitos daqueles que lerem estes meus pensamentos não terão a menor consciência do quanto dependo deles, do quanto são importantes para mim, da imprescindibilidade de sua existência em relação à minha, enfim, do valor de nossa amizade. Mas espero que consiga com estas palavras corrigir um pouco isso.
Inevitavelmente, e falo isso com pesar, ao longo deste percurso chamado vida, vou perder alguns amigos. Sinto que é um pedaço de mim que se vai, uma dor real e sensível, uma perna que me tiram. E, por isso, de um jeito meio egoísta, rezo para que tenham saúde, porque meu sorriso e alegria depende deles, que equilibram a minha vida.
E finalmente, minhas preces também vão àqueles amigos que já perdi, e que foram, quem sabe, tão cedo, assim sem querer, antes de mim. Rezo para que estejam bem, para que me permitam lembrar de vocês, simplesmente, até o dia em que eu os encontrar novamente. Saibam que continuam em mim, através de mim, e jamais perderão a importância que sempre tiveram na minha vida.
Assim, a todos vocês, que modificam constantemente o que sou, transformando-me numa pessoa melhor, só posso agradecer. E dizer que o poeta não poderia ter sido mais preciso, porque reconhecer você como meu amigo foi fácil demais.
(Nota do autor: não por acaso todas as frases têm em seu início uma palavra terminada em "mente", considerando que os meus amigos não saem dela)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

ALÔ???


- A
lô?
- Alô? Mãe?
- Oi, é você, filha?
- Sim, ainda não aprendeu a usar o bina.
- Quem é Obina?
- Esquece, mãe. Eu queria falar com o pai. Sabe onde ele tá?
- Deve estar no trabalho a essa hora, querida.
- Não, mãe, já liguei pra lá e disseram que saiu pra almoçar faz pouco tempo. E não consigo falar com ele no celular. Está desligado.
- Como assim, não pode ser!!! Nós acabamos de almoçar juntos e ele me deixou aqui no escritório há meia hora atrás. Já deve ter chegado no trabalho.
- Ah, mãe... não sei!?
- Não sabe o quê?
- Não sei, só isso.
- Filha, tu sabe de alguma coisa?
- Saber o quê, mãe?
- Esquece, querida. É que ele anda tão estranho ultimamente, muito romântico pro meu gosto. Mas deixa pra lá.
- Ah, mãe, eles devem ter se enganado.
- Só um pouco, filha, está tocando a outra linha. Ai, será que eu sei usar isso? Espera um minuto...

- Alô?
- Alô?
- Rodolfo?
- Sim querida, sou eu. Estou ligando só pra dizer que o almoço estava maravilhoso, e que comprei uma coisinha pra nossa noite, já que a Marília vai dormir na casa das amiguinhas.
- É, deve ser por isso que ela está atrás de ti. Deve estar querendo saber a que horas tu vais levá-la. Depois liga pra ela. Mas onde tu estás?
- Como assim? Na empresa, onde mais eu estaria!
- Não sei, quem sabe almoçando?
- Espera aí? Se não me engano, foi hoje que nós almoçamos juntos, não foi?
- É... deixa pra lá. Beijo, Rodolfo.
- ???


- Alô?
- Alô?
- Oi, filha.
- Mãe?
- Sim. Olha só, falei com o teu pai. Ele está na empresa. Liga pra lá.
- Mãe, acabei de ligar pra lá, enquanto tu me deixou esperando na linha. Eles confirmaram que saiu para um almoço, e disse que não saberia a que horas voltaria. Tentei ligar para o celular e continuava desligado.
- Mas não pode ser?!
- Ah, mãe, não sei.
- Não sabe o quê?
- Nada, mãe, que coisa chata!
- Não fala assim com a tua mãe.
- Tá, depois a gente conversa. Vou ter que desligar o celular. Tô super atrasada.
- Espera! Te disseram com quem ele foi almoçar?
- Sim, com a mulher dele.
- Como assim? A mulher dele sou eu.
- Ah, mãe, não sei.
- Que é que tu tá me escondendo? Tu sabe de alguma coisa, filha?
- Tá, dona Mariza, se falar com ele pede pra me ligar. Fui...
(...)
- Dona Mariza???

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A PRIMEIRA VEZ


Definitivamente, vou ter que procurar um médico! – pensou em voz alta ao sair do banheiro.

Américo Flores, ou simplesmente Flowers, como era conhecido pelos amigos mais próximos, era um homem que havia dedicado mais de duas décadas de sua vida profissional à advocacia criminalista, tendo concluído sua formação acadêmica ainda muito jovem, por imposição do pai, apesar de imaginar que seria muito mais feliz se tivesse seguido a carreira de jornalista. Sempre foi um homem corajoso, afinal de contas, já havia visto coisas “que até Deus duvida!”, como dizia ele aos amigos nas mesas de bar, às quais frequentava com assiduidade. Aliás, este foi um dos motivos da difícil separação de um casamento com Helena, que durara oito anos, pois ela seguidamente jantava sozinha, reclamação que sempre ouvia quando chegava tarde em casa. E ele, como sempre, inventava desculpas, por vezes culpando o trabalho, ou simplesmente falando a verdade:

- Estava num bar com um cliente! – e essa era uma verdade para ele, já que tinha a ideia de que todos eram clientes em potencial.

- Então esquenta a comida. Está no micro! – retrucava ela, sem prestar atenção à desculpa, e ia dormir.

Nos primeiros meses após a separação, começou a perceber que não sentia a menor falta da esposa, mas admitiu que ela cozinhava muito bem. Era o seu lado irônico e machista tentando compensar a necessidade de comer sanduíches noite após noite, já que não sabia fritar um ovo. Com o passar do tempo resolveu inovar, ficava mais tempo em casa, e até contratou uma cozinheira que deixava a comida pronta no forno de microondas, a única coisa que o fazia lembrar com carinho da ex-mulher. E resolveu que era hora de mudar radicalmente o estilo de vida, e fazer o que sempre gostara, até porque já havia adquirido um patrimônio considerável, além de ter recebido uma herança que lhe proporcionava bons rendimentos. Decidiu fazer jornalismo.

Na faculdade, conhecia pessoas diferentes diariamente, divertia-se com os novos amigos, colegas bem mais jovens do que ele, organizava festas em sua casa, e com o passar dos meses começou a conviver com alunos de outros cursos também. Ticiane era uma dessas novas amigas, uma estudante de medicina, vinte anos mais jovem do que ele, amiga de um amigo, a única mulher que, nos últimos tempos, conseguira impressioná-lo, tanto por sua beleza, como pela afinidade e identidade de ideias, observada nas poucas conversas que tiveram. Só lamentava que ela sempre recusasse seus convites para sair.

E assim, nesse ritmo de vida nova, que incluía faculdade, festas, novas amizades, Américo não sentia mais saudade da antiga profissão, dos amigos de bar, da boemia solitária. Dizia apenas que deveria diminuir o consumo de álcool e parar com o cigarro, mas eram daqueles prazeres tão antigos que já faziam parte do seu dia-a-dia, como se fosse impossível abandoná-los.

Logo no início do segundo ano de faculdade começou a desconfiar de que estava com algum problema de saúde. Observou que ia ao banheiro diversas vezes ao dia, e cada vez que urinava sentia uma ardência muito forte. Naquela noite de março, quando estava no aniversário de um amigo, viu que pela oitava vez estava indo ao banheiro, e novamente sentiu a uretra pegando fogo, foi quando decidiu definitivamente que procuraria um médico.

No dia seguinte, por indicação de um parente, ligou para o Dr. Guilherme Bueno, considerado um dos melhores urologistas de Porto Alegre. O médico disse que estaria viajando para a Europa, e que só seria possível atendê-lo naquele dia, com o que concordou prontamente, já que estava começando a ficar preocupado com as ardências e a dificuldade em urinar. Às quatro horas da tarde, conforme o combinado, Américo já estava sentado na sala de espera do consultório.

Após ser chamado pela recepcionista, entrou por um corredor branco, pouco iluminado, e ouviu vozes numa sala fechada, uma espécie de reunião. O Dr. Guilherme apareceu ao final do longo corredor, e, cumprimentando-o, fechou a porta. Passados alguns minutos, depois de uma conversa rápida, o médico disse:

- Pois então! Parece-me que estas ardências podem estar relacionadas a algum tipo de infecção, e teria que fazer um exame para poder identificar a causa com mais precisão. Se o Sr. tiver tempo, podemos fazer agora mesmo.

- E como seria exatamente esse exame, doutor – num tom intrigado.

- Chama-se toque retal. Aliás, o Sr. já deveria ter feito esse exame há alguns anos; todos os anos, diga-se de passagem. Bem, o exame consiste na coleta de material direto da próstata, e também para sentir como ela está, até porque estou desconfiado de que se trata de uma prostatite. É bem rápido, e não vai levar mais do que alguns minutos!

- Sei, já ouvi falar desse exame. Mas se não tem outro jeito, tudo bem! – quando na verdade pensava exatamente o contrário.

- Então, por favor, tire a roupa, e coloque um daqueles aventais – apontando para um armário localizado no canto da sala.

Enquanto tirava a roupa, tentou brincar com a situação, e perguntou:

- Vai doer, doutor? – e começou a rir de si mesmo.

- Não se preocupe, na primeira vez é só uma sensação desconfortável – respondeu ele, enquanto colocava as luvas de borracha.

- Na primeira vez é desconfortável? E tem gente que se acostuma na segunda?

Como se não tivesse prestado atenção, o médico falou:

- Vá até aquela mesa e fique na posição. O Sr. sabe, “de quatro” – disse o médico, deixando escapar um sorriso debochado.

O avental que Flowers usava deixava toda a parte de trás aberta, e quando o Dr. Guilherme ia começar o exame, perguntou:

- O Sr. se incomoda que chame alguns colegas que estão na sala ao lado para auxiliarem e acompanharem o exame?

- Não, não vejo problemas... - e por um instante pensou, “eu acho”.

O médico saiu, e após poucos segundos – Américo ainda continuava naquela posição constrangedora – entraram pela porta sete jovens, que o deixaram ainda mais envergonhado. Quando a porta estava fechando, alguém a empurrou e disse:

- Espera, sou eu!

E ele reconheceu a voz. Não teve nem coragem de levantar o rosto. Com certeza a voz era de Ticiane. E ela também o reconheceu:

- Oi Américo, que coincidência?

- Muita – disse ele, de modo irônico.

A partir daquele momento, a relação médico-paciente ficou seriamente abalada, uma porque jamais imaginou que os “colegas” do médico fossem estudantes; outra, pela completa falta de sensibilidade com que o Dr. Guilherme fazia o exame nele, comentando detalhes de sua região anal como se estivesse descrevendo alguma fruta, inclusive indicando defeitos em sua anatomia. Além disso, apesar do médico não saber que Américo conhecia Ticiane, ele jamais o perdoaria, e só tentava controlar a raiva que sentia, torcendo para chegar ao fim daquilo que mais parecia uma tortura psicológica.

Terminado o exame, foi embora sem se despedir de ninguém, e tomou uma decisão: não teria mais condições de olhar para Ticiane depois daquela tarde. Quando estava entrando no carro ouviu seu nome, e ao olhar para trás pode ver que ela corria em sua direção com algo nas mãos.

- Você esqueceu a carteira, deve ter caído! – disse ela, ainda ofegante.

- É, deve. Bem, vou indo.

- Espera! Não precisa ficar com vergonha de mim. Imagino que deve ter sido constrangedor, mas não precisa ficar assim. Afinal de contas, vou ver esse tipo de coisa a vida toda.

- É, pode ser. Mas não precisava ter visto a minha “coisa”.

Caíram na gargalhada. E só pararam de rir quando ela aceitou o convite dele para jantar aquela noite.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A RUIVA COM RAIVA



Ainda não lembro de uma vez em que eu tenha pegado um táxi, trocado algumas palavras com o motorista, e ele não tenha se achado íntimo para me contar uma história mirabolante, por vezes sobre um casal de passageiros que o convidou para fazer um ménage à trois, ou de duas meninas de 20 anos que queriam experimentar com ele uma aventura digna de um filme pornô.
Dessa vez, algo naquele homem de cinqüenta e poucos anos fez com que eu acreditasse na história que ouvi. Irani Pedro Soares – era o nome que aparecia na placa de registro – pareceu-me um homem calado, até que comentei qualquer coisa sobre uma loira deslumbrante que passava perto do táxi.
- Linda, realmente linda, mas nem perto da passageira que apareceu há uns três meses atrás! – retrucou ele.
E sentindo que queria falar sobre ela, incentivei-o, num tom pouco interessado.
- Tá bom, se o Sr. quer ouvir eu conto - disse ele.
E desfez-se a minha ideia sobre taxistas que falam pouco.
- Um dia desses, recebi uma chamada por volta das 19h pra pegar uma passageira. Sei exatamente a hora, porque era praticamente a minha última corrida. Quando cheguei pra pegá-la, saiu da portaria de um edifício uma mulher linda, devia ter uns 35 anos, ruiva, olhos azuis, usando botas de couro e uma saia marrom, e dava para ver que a moça tinha uma cinturinha fina e quadris que escondiam alguma safadeza.
Comecei a rir e devo ter repetido em voz alta as suas últimas palavras, porque ele parou de falar e começou a me olhar desconfiado. Pedi desculpas e insisti pra que continuasse.
- Bem, ela era uma lindeza, e perguntou se eu tinha tempo e gostaria de ganhar um bom dinheiro. O Sr. sabe, vida de taxista não é fácil, “de formas” que faço qualquer coisa pra ganhar um dinheirinho extra. Só que já fui avisando que sacanagem eu não faço, nem nada ilegal. E ela disse pra eu não me preocupar. Quando chegamos na Av. Sete de Setembro, ela pediu para ficarmos esperando no táxi, e não tirava os olhos de um prédio, acho que era uma agência bancária. Depois de quase meia-hora ali, e depois de conversarmos um pouco, apareceu um homem alto com o braço em volta da cintura de uma morena muito bonita, mas certamente não tão bonita quanto a minha passageira. Foi quando olhei pelo espelho retrovisor e vi que estava furiosa, as buchechas vermelhas, numa combinação com os cabelos que chegava a dar medo, parecia que ia pegar fogo, e gritava coisas que nunca imaginei ouvir de uma mulher daquelas. O Sr. sabe o que eu quero dizer, mulher que nem ela, que aparenta ter caráter a gente nem desconfia que tem a boca suja.
E eu só pensava o que é que o caráter tinha a ver com isso, mas...
E ele prosseguiu:
- Pois então, não é que o desgraçado era marido da moça, e depois de abrir a porta para a morena, entrou no carro e saiu. Deu pra ver que ela não era nenhuma amiguinha, porque em cada sinaleira dava umas “bitoquinhas” na safada. A dona Eliana, minha passageira, só me pedia para continuar seguindo o marido de longe, que dinheiro não era problema, e foi o que fiz. Segui-o durante mais uma meia-hora, ouvindo tudo que era desaforo e lamentação, até que o sujeitinho... - e virou-se para mim, talvez para ver se eu estava prestando atenção:
- O Sr. nem vai acreditar onde é que ele entrou?
- Num motel, eu acho!? – numa tentativa curiosa para que ele pudesse terminar a história antes de chegar ao meu destino.
- Exatamente! E a mulherzinha atrás de mim parecia que tava tendo um ataque, gritando que ia se vingar, que ele era um canalha, que ela tinha sido uma idiota, e outras palavras que tenho até vergonha de repetir. Só sei que depois de um tempo pediu para que eu a levasse a um bar, porque ela queria “encher a cara”. E foi aí, moço, que eu me empolguei.
- Por quê? – indaguei apressadamente.
- O Sr. não vai imaginar o que ela disse?
- Fala logo, meu amigo!!! – retruquei sem paciência, embora estivesse me divertindo com aquela história.
- Ela disse que ia dar para o primeiro homem que aparecesse na frente dela. Fiquei todo emocionado, cheguei a estufar o peito. O Sr. nem acredita, mas tava tão perturbado com o que ela tinha dito, que cheguei a falar que ia cobrar só a corrida, e que não queria mais nenhum dinheiro dela. A moça sorriu, agradeceu, e entrou no bar, pediu um uísque, me ofereceu outro, mas eu disse que estava trabalhando e não podia. Depois de umas três doses já estava bem faceira, e disse que queria ir para casa, que ia se arrumar, e repetiu que ia dar para o primeiro homem que visse. Fiquei pensando o que é que eu era, pra ela ficar repetindo isso a toda hora. Só sei que entrou no táxi e pediu para levá-la até em casa, e esperasse, que queria ir a alguma boate, porque precisava encontrar um homem naquela noite. A essa altura eu já tinha até me arrependido de dizer que não ia cobrar o tempo extra.
- E onde é que o Sr. a levou?
- Calma, moço! Cheguei na casa dela, e foi aí que me pediu pra subir e esperar lá em cima. Cheguei a ficar suado, só de pensar. “Agora me dei bem!”, eu pensei. Ela abriu a porta, entrou no apartamento, e disse que já voltava. Não é que ela voltou mesmo, bem rapidinho, só de calcinha e sutiã. Uma loucura de mulher.
- Então, o Sr. conseguiu?
- Quem dera! Sem querer, devo ter feito uma cara de tarado, porque ela pediu desculpas, e saiu correndo. E eu só repetia em voz alta: “Agora eu já vi!”, “Agora eu já vi!”, mas era tarde.
- E ela?
- Pois é, saiu correndo, eu não sabia se ia atrás dela, mas foi aí que ela gritou lá de dentro, dizendo que ia se arrumar e pediu pra eu esperar. E não parava de pedir desculpas. Comecei a ficar até com raiva da desgraçada. Quando ela voltou toda arrumada, bem cheirosa, a raiva passou...
Nesse instante, o táxi chegou na frente do prédio em que eu tinha que desembarcar. Mas antes de descer, perguntei:
- E o que aconteceu depois?
- Nada, moço. Nadica de nada! Só sei que alguém se deu bem aquela noite, e não fui eu. Mas a dona Eliana ainda me liga sempre... sempre que precisa de um táxi.