segunda-feira, 26 de abril de 2010

PARA SEMPRE: ELE E ELA

No alto daquele edifício, apenas observava as luzes da cidade. À sua volta havia pessoas, a maioria delas desconhecida. Foi quando a viu chegando, incrivelmente linda. Ela nem o notou. Mas ele percebeu, num único instante, o que o coração por vezes demora uma vida inteira pra dizer. Foram apresentados. Era pra ser! Ela achou que o conhecia. Ele, que acreditava em vidas passadas, já sabia. Conversaram. E, logo em seguida, se afastaram...
Falou com outra. Ela notou! De repente, voltou. E a noite assim transcorreu até a hora em que trocaram mais que olhares, todos os sentidos aflorados pelo toque das mãos. Pegou-a pelo braço. Ela deixou-se levar. E, sentindo o frio da noite, encostaram seus lábios e aqueceram-se, enternecidos...
Mas essa história não podia ficar assim, sem um fim. Encontraram–se dias depois. E mais outro. Viajaram juntos e trocaram juras de amor; só queriam estar perto todo o tempo do mundo, sem entender por quê. Mas seria preciso saber? “A gente simplesmente quer!” – diziam eles, e isso bastava para os dois. E pensavam: “Ah, seja o que Deus quiser, seja o que for!!!”.
Estranhos que antes nunca se encontraram, mas que sentiam se conhecer a vida toda. Amantes que dividiam seus sonhos, e falavam do céu e do mar, do sol e da luz refletida pelo luar. Foram passando o tempo juntos, uma expectativa por saber o que aconteceria depois. E não sabiam o significado do que todos chamavam de felizes para sempre, mas decidiram que iriam descobrir. E assim, desse jeito curioso, transformaram o que sentiam um pelo outro na primeira e mais linda história sem fim...

segunda-feira, 12 de abril de 2010

GATO PRETO


Ainda lembro o dia em que conheci meu amigo de infância e vizinho de praia. Gerônimo era daquelas crianças tímidas, sem amigos, um gordinho sem graça. Minha mãe insistiu para que os novos vizinhos viessem jantar com a gente. Achei um saco! Por conta disso, tive que sair mais cedo do jogo de futebol de rua, a maior curtição naquela época. Aquele cara, além do nome engraçado, tinha uma cara de nerd, um perfeito abobado que usava umas roupas estranhas. Durante o jantar ele mal levantava o rosto, e apenas emitia grunhidos num sentido afirmativo quando minha mãe perguntava se queria comer mais massa. Acho que deve ter esvaziado uns quatro pratos. “Chega, filho!”, dizia o pai dele, parecendo constrangido.
A cada verão que chegava, era obrigado a suportar a sua companhia lá em casa, uma vez que meus pais e os dele se tornaram grandes amigos. Ainda bem que moravam no interior, e só nos víamos na praia, senão teria que aguentar isso durante todo o ano. Não apenas os jantares a que me obrigavam a participar, mas a insistência dos meus pais para que eu me aproximasse dele me incomodavam muito.
Com o passar do tempo, fui me acostumando àquela inconveniente presença, e o ignorava, até o dia em que, numa daquelas festas organizadas para adolescentes, uns garotos bem mais velhos do que eu resolveram aleatoriamente me eleger como saco de pancadas. Foi voltando pra casa, sempre mantendo uma boa distância daquele garoto encorpado, a quem me impuseram ser amigo, que ouvi uma voz chamando:
- Imbecil! Tá achando que vai aonde? – gritou comigo um garoto mal encarado, acompanhado de dois amigos, que mais pareciam guarda-costas.
Resolvi não responder e apressei o passo, mas não adiantou. O maior deles veio correndo e, sem que eu percebesse, acertou-me uma voadora. Quando caí, ainda meio tonto e sem ar, e apavorado com o que estava por vir, observei que Gerônimo lutava com eles. Deu um soco num, um chute noutro, e juntando os punhos ao queixo, lançou um olhar cheio de ódio para aquele outro rapaz menor que havia gritado comigo. Ele bem que tentou, mas seu soco foi desviado, e em apenas três movimentos, Gerônimo derrubou-o e, aproximando-se de mim, estendeu uma mão e disse sem olhar nos meus olhos:
- Vem! Corre!
Olhei para trás e os três ainda gemiam no chão. A partir desse dia nos tornamos bons amigos, apesar de ainda achar ele muito estranho. Nunca entendi como podia ser um monstro de tão forte, lutar daquele jeito, e ao mesmo tempo mostrar-se tão submisso aos pais, tão amável com eles.
Vinte anos depois nossa amizade de verão ainda continua, mas não tem mais o convívio de antes, seja pelo trabalho, que me possibilita vir apenas nos finais de semana, seja pela carência da minha esposa. Hoje em dia, inclusive, ela exige ainda mais, de um jeito quase irritante, que eu esteja sempre perto para cuidar dos gêmeos. Eles nasceram em março, e requerem um cuidado literalmente redobrado.
Nessa sexta-feira, quando cheguei na praia, minha mulher reclamava de um gato preto que não saiu do pátio durante toda a semana. Fui até lá, e avistei o felino. Adoro cachorros, mas gatos me irritam. Parecem-me impassíveis aos humanos, como se fôssemos dispensáveis. Não confio nem um pouco neles, ainda mais agora que tenho filhos. Ouvi falar que transmitem toxoplasmose, e eu não correria esse risco. Por isso, fui em sua direção e o espantei. Dez minutos depois, lá estava ele novamente.
- Gato idiota! – gritei, sem a menor paciência.
E corri novamente de encontro a ele. Fugiu. Alguns minutos depois, lá estava o bichano mais uma vez. “Está se achando mais esperto do que eu, é?!”, pensei, com um leve sorriso no rosto, mas indignado. Entrei em casa, fui ao quarto, e voltei. Eu o observava de longe. E, lá fora, já estava escuro.
Ele ficou inerte durante uns cinco minutos, parecia que fitava a lua. Hipnotizado. Aproveitei o seu momento de distração e cheguei sorrateiramente perto dele com um lençol. Consegui apanhá-lo, transformei aquele tecido num saco, dei um nó, e gritei para minha esposa dizendo que já voltava.
Devo ter dirigido por umas dez quadras, e desliguei o motor. Desci do carro com ele nas mãos, desfiz o nó e o bicho saltou de lá num miado agudo, não sem antes cravar aquelas garras em mim.
- Ai, gato filho da puta! – gemi, apertando o braço, na área em que fui atacado.
Voltei para o carro, ainda sentindo dor, mas aliviado com o êxito do meu plano.
Quando cheguei em casa fui ver os gêmeos, dei um beijo em minha mulher, contei o que tinha acontecido, e lhe mostrei o que o gato havia feito. Ela ficou horrorizada, mas pude perceber o alívio em seu rosto. Fiz um curativo em meu braço, desci ao pátio para tomar um vinho, sentar em minha cadeira preferida, e apreciar o resto daquela noite. Já estava na terceira taça, quando ouvi um miado. Era ele de novo, no mesmo lugar em que eu o havia encurralado.
Levantei sem paciência alguma, fui até lá, a passos leves, e agarrei-o por trás, pelo pescoço. Lancei-o com força em direção ao terreno baldio que circundava o meu. Um miado estridente seguido de um barulho seco, e tudo ficou silencioso. Olhei por sobre a cerca, mas a escuridão me impediu de ver o que tinha acontecido. Fui até a garagem e peguei uma lanterna.
Ao iluminar aquele espaço em que o havia atirado, apavorei-me com a cena que vi. Ele tinha caído em cima de umas garrafas quebradas que estavam no chão, e o bicho acabou empalado. Uma das garrafas atravessara aquele corpo mole, e ele ficou estaqueado com as pernas traseiras apontando para baixo, e a cabeça do outro lado, também pendia inerte. Senti ao mesmo tempo nojo e pena, mas não havia mais nada que eu pudesse fazer. Era uma mistura de pelos, carne e sangue esparramada no terreno abandonado. Aquele líquido vermelho escorria por entre os cacos de vidro, escurecendo tudo ao seu redor. E pensei conformado:
- Amanhã eu vejo o que vou fazer. Agora já é tarde.
Sentindo-me arrependido, pedi desculpas inutilmente àquele animalzinho imóvel, e ainda abalado com o que tinha acontecido, fui em direção à porta de casa. De repente, Gerônimo apareceu:
- Oi, cara! Como andam as coisas? – falei, aliviado por encontrar um rosto amigo.
- Tudo bem, mas estou chateado. Não consigo achar meu bichinho de estimação.
E uma pergunta inocente e triste retumbou em mim como aquela voadora que levei anos atrás:
- Você não viu meu gato preto?

segunda-feira, 5 de abril de 2010

NEM PENSE EM NÃO SER FELIZ!




Sem dúvida alguma, a Praia do Rosa, em Santa Catarina, é um daqueles lugares a que podemos atribuir a existência de uma energia diferenciada. Revitaliza, pacifica, e potencializa a nossa própria energia. Cheguei de lá ontem à noite, com uma sensação de leveza na alma, renovação no espírito, poucas vezes sentida por mim. Mas o corpo, ah, esse está um bagaço. Culpa de quem? Das oito horas de viagem na volta pra casa.

Desculpem, mas estou indignado! Oito horas é demais. Não para uma viagem, mas para o percurso percorrido. Em condições normais, não demoraria mais do que quatro horas. E querem saber a causa da lentidão no trânsito? Obras inacabadas na estrada, principalmente em focos que considero primordiais para resolver o problema, o que poderia ser solucionado com um pouco mais de organização. Por que não juntar esforços para resolver esses problemas específicos antes de se dar continuidade a um projeto de tal importância? Ou eu sou muito burro, ou quem fiscaliza o andamento dessas obras, cuja previsão de encerramento era 2008 (?), é cego ou deve estar tendo sérios problemas nesse processo, e aí eu calo a minha boca.

Bem, mas o que interessa – e é sobre isso que quero falar – é que com todas as dificuldades, a viagem de volta tinha tudo para ser estressante, irritante, massante, todos esses adjetivos que rimam e combinam com aquela sensação de perda de tempo. Curiosamente não foi! Durante o caminho, eu e um amigo (uma espécie de irmão que a vida me deu) fomos cadenciando de forma divertida o tempo considerado perdido, alternado por momentos preciosos de silêncio. E num desses momentos, vendo o tempo simplesmente passar, é que comecei a divagar sobre um assunto.

Comecei a pensar naqueles períodos difíceis desse percurso chamado vida, de tristeza, de angústia, de desespero, péssimos momentos que fogem ao nosso controle, e que por vezes parecem não ter fim. A perda de um amor, a morte de um ente querido, a impotência pra resolver uma situação extrema, como uma doença grave na família, a visão de uma cena violenta e chocante seguida da sensação de repulsa e indignação, uma agressão verbal e gratuita. É, a vida é repleta desses acontecimentos ruins, e não há nada o que se possa fazer.

Acontece que existe algo sobre o qual temos controle absoluto e quase sempre nos esquecemos disso. Estou falando dos outros momentos, e que são a maioria! Daqueles que, de modo consciente, nos permitem sermos senhores de nossos atos, nos fazem agir por simples impulso, ou apenas nos proporcionam observar a vida sem interferência. Em todos eles deveríamos perceber o que isso significa, e chegar à conclusão inevitável: viver é perfeito demais! Na hora em que as pessoas se derem conta disso, cada abraço, beijo, olhar, sorriso ou diálogo terá uma sensação diferente, distinta da simples ideia de que representam apenas os cinco sentidos.

Reflito sobre isso e não consigo descobrir a razão para não valorizarmos tudo a todo o momento, e nos sentirmos sempre felizes. Em paz, no mínimo! A isso eu chamo de viver, incondicionalmente. Aproveitar o que temos à nossa volta deveria ser uma obrigação constante, e não uma opção, sem esquecer de que ainda podemos melhorar a cada dia. Os japoneses têm até uma expressão para isso: kaizen, que significa melhoria contínua, gradual.

Tenho visto pessoas que reclamam demais, exigem ainda mais, de si e dos outros, quando na verdade deveriam estar vivendo com a consciência plena de que o amanhã pode não estar mais lá, do jeito que sempre gostaram e só não percebiam. Com isso, não estou dizendo que devemos nos conformar, ficando na inércia, deixando tudo como está. Em realidade, a mudança é mais do que imprescindível para esse aprimoramento pessoal. Apenas não se pode ficar impassível diante dos detalhes que nos cercam, da beleza que as minúcias representam, da valorização individual das nossas escolhas e, somado a isso, da busca incessante pela concretização dos nossos sonhos.

Eu já decidi! Não vou mais perder meu tempo. Nem pensar em não ser feliz. E com a certeza de que quero voltar assim que for possível para aquele lugar espetacular que me deu tanto prazer, e me fez tão bem. Mas com a esperança de que os percalços para chegar até aquele paraíso estejam resolvidos. Estou ansioso para que chegue 2008!