quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O JOGADOR


- Que desgraça, quantas vezes preciso dizer pra não me ligar no meio do jogo! – berrou Zizo com a mulher.
Os amigos nem se espantavam mais, apesar de um ou outro fazer uma cara de desgosto pelo modo como ele falava com a esposa ao telefone quando estava à mesa de poker. Dizia ele que trazia sorte, esse desagrado e irritação que provocava nela era tudo que precisava para começar a ganhar. E, coincidência ou não, tudo parecia conspirar para isso, porque era só ela desligar, furiosa com ele, que a sorte parecia surgir como num passe de mágica.
Infelizmente, Rita não sabia dessa superstição do marido, e talvez não o tivesse abandonado aquela noite.
Zizo chegou tarde, com muito dinheiro na carteira, mas com a cabeça dando voltas em razão do excesso de bebida alcoólica que havia consumido. Assim, só foi perceber a ausência de Rita quando levantou e foi tomar o café da manhã. A mesa não estava posta, e a mulher já tinha saído para o trabalho. Isso nunca havia acontecido.
Achou estranho, porém resolveu deixar as coisas esfriarem, pois sabia que ela ficava furiosa, mas depois sempre lhe dava mais uma chance. E ele nunca mencionava a tal superstição. Achava melhor assim. Com o dinheiro do jogo comprava algumas flores, e tudo ficava bem.
À noite, ela não voltou para casa, e percebeu que o armário dela estava entreaberto. Abriu-o e quase caiu para trás quando não viu nenhuma roupa guardada. Pensou em roubo, sequestro, mas logo se deu conta do que estava acontecendo. Ela havia partido.
Nos primeiros dias, tentou entrar em contato através do celular, sempre desligado. Tentou a casa da mãe dela, com quem ele não falava desde o primeiro ano de casamento. Os dois nunca se deram muito bem, por isso, logo que se identificou dizendo que estava desesperado atrás de Rita, a sogra desligou o telefone, não sem antes alertar:
- Finalmente ela recobrou um pouco de consciência, seu inútil! E não ouse aparecer aqui para procurá-la. Eu juro que chamarei a polícia!
Ele não se preocupou com o aviso, e foi correndo para o prédio da sogra. Só não imaginava que a ameaça seria concretizada. Teve de sair do edifício escoltado por dois policiais.
Algumas tentativas frustradas no trabalho dela, e decidiu que o destino se encarregaria de ajeitar as coisas.
Após duas semanas, resolveu retomar a vida, os amigos, o jogo das terças-feiras à noite. Se ela não o queria, outras apareceriam. Uma fila de mulheres desejavam um homem como ele: simpático, fiel, trabalhador e bom de cama (ele adorava dizer isso para si próprio, tentando se convencer que ela não conseguiria um amante melhor).
E na terça-feira seguinte, lá estava ele de novo, chegando à casa de um dos amigos com uma garrafa embaixo do braço, e com a expectativa de por em prática a sua técnica, e testar de novo a sua sorte. Para ninguém perceber nada, pediu para um sobrinho ligar por volta das dez horas da noite. Na hora combinada, o telefone tocou, e ele começou a gritar impropérios, como se estivesse falando com a esposa. O silêncio foi sepulcral quando, exatamente três minutos depois de desligar o celular, perdeu todas as fichas numa única aposta. Isso nunca havia acontecido. Nem ele acreditava na sua falta de sorte.
Essa situação se repetiu na semana seguinte, e na outra, até que pediu para o sobrinho não ligar mais, circunstância que não alterou em nada as derrotas contínuas. Depois de um mês, decidiu parar de beber, pois toda vez que chegava em casa, sem dinheiro e frustrado, percebia a ausência de Rita, e, fragilizado pelo álcool, notava que a existência dela em sua vida era mais importante do que podia imaginar. E chorava como criança.
Passados cinco meses, quando saía do supermercado, naquela terça-feira, antes de ir para a jogatina habitual, encontrou Rita. Ela parecia mais bonita do que nunca, e sua vontade era correr em sua direção, pedir desculpas, implorar para que voltasse, mas era orgulhoso demais para isso. Ela o olhou com tristeza, e passou por ele sem mencionar uma palavra. Zizo ficou com os olhos marejados, e, num ato-reflexo, gritou seu nome.
Rita parou, olhou por sobre o ombro, e continuou andando.
E ele, engolindo o orgulho, falou em voz alta:
- A culpa é minha, e sei que te devo explicações!
Ela parou, e Zizo foi ao seu encontro, acompanhando-a até o carro. Ajudou-a com as compras e foram tomar um café. Ele pediu desculpas, implorou que ela voltasse para casa, que sentia muito a sua falta, e explicou a razão de sua grosseria nas noites do poker. Ela não conseguia acreditar naquela besteira de azar no amor e sorte no jogo, a qual ele insistia em dizer que funcionava. De qualquer forma, apesar de relutante, aceitou as condições impostas por ela e prometeu nunca mais discutir ao telefone, principalmente nas noites de terça-feira.
Naquela noite, pela primeira vez, em anos, ele faltou ao jogo, porque decidiu que era mais importante recuperar o que acreditava ter de mais valioso. E, nas semanas seguintes, sempre que fazia suas apostas, tinha a sensação de que a sorte não lhe sorriria mais como antes. Não ligava, pois, mesmo perdendo, era o homem mais sortudo do mundo ao ver Rita sorrindo quando chegava em casa.

Final alternativo:
Ela parou, e Zizo foi ao seu encontro, acompanhando-a até o carro. Ajudou-a com as compras e foram tomar um café. Ele pediu desculpas, implorou que ela voltasse para casa, que sentia muito a sua falta, e explicou a razão de sua grosseria nas noites do poker. Ela não conseguia acreditar naquela besteira de azar no amor e sorte no jogo, a qual ele insistia em dizer que funcionava. De qualquer forma, apesar de relutante, aceitou as condições impostas por ela e prometeu nunca mais discutir ao telefone, principalmente nas noites de terça-feira.
Do supermercado foram direto para casa, transaram como há muito não faziam, e ele disse que precisava ir, porque tinha confirmado presença e era homem de palavra. Ela não acreditou que depois de tudo que tinha acontecido, ele a deixaria em casa àquela noite e iria jogar poker com os amigos. Discutiram, ela gritou com ele, disse que nunca mais queria vê-lo e, chorando muito, foi embora. Horas depois ele voltou para casa, completamente bêbado e desnorteado, mas com os bolsos cheios de dinheiro.
(qualquer semelhança com pessoas ou circunstâncias reais constitui mera coincidencia)