sexta-feira, 8 de abril de 2011

ELLA

Há anos meus amigos enchem o saco para que eu procure a porra de um terapeuta. Desde que minha mulher morreu num acidente de carro, pra ser mais específico. Dizem que sou muito impaciente com o sexo oposto. E tímido. Ridículo! O que sou é seletivo, por isso nunca encontrei uma mulher até agora que valesse a pena. É verdade que sempre achei essa história de terapia coisa de maluco, ou talvez seja pura e simples ignorância minha, mas como dizem por aí, se de gênio e louco todo mundo tem um pouco, resolvi experimentar. Na realidade, nunca procurei ajuda porque não via problema algum em tachar a maioria das mulheres como vagabundas. Quase todas que conheci são mesmo. À exceção das minhas falecidas mãe e esposa, é claro! Umas santas! Que Deus as tenha.
O fato é que me rendi às constantes pressões e, no auge dos meus 45 anos, finalmente comecei a fazer análise. Aliás, acabo de chegar do consultório da Dra. Ella Ribeiro, psicóloga, 35 anos, amiga de uma amiga, a Elvira. Essa sim, a pior de todas! Nunca teve um namorado. Jamais teve um, porque eram sempre dois ou três ao mesmo tempo. E, para o meu azar, resolveu não dar justo pra mim, dizendo que eu era muito especial, que não queria estragar nossa amizade. Viu, como eu disse, va-ga-bun-da!
Logo que cheguei, fiquei aguardando na recepção do consultório, lendo uma revista, dessas de fofoca do mundo artístico. Mais uma vez fiquei convencido de que o mundo só tem mulher que não presta. A Fulana que se separou do Ciclano e está namorando o melhor amigo dele, que já foi visto circulando num restaurante famoso com uma menina 30 anos mais jovem. Putaria total esse mundo da televisão.
A porta abriu e surgiu uma mulher de óculos, alta, pele clara e corpo de modelo. Um espetáculo! Olhos azuis, eu acho. Um cóqui alinhando perfeitamente aqueles cabelos loiros que deixavam à mostra um pescoço fino, realçado por dois brincos de argola dourada. O sorriso acompanhado das palavras “Muito prazer, entre!!!” fez com que a revista escapasse das minhas mãos e caísse no chão. E pensei: “Que idiota eu sou”.
- O prazer é meu – respondi meio sem jeito.
Sentamos, cada qual em sua poltrona, e ela começou perguntando algumas coisas que respondi sem pensar. Nome, idade, estado civil, essas besteiras. Não conseguia tirar os olhos dos pés dela. Sou viciado em pés, e os dela eram perfeitos. Mas acho que ela notou meu fetiche, porque interrompeu o questionário no meio, cruzou as pernas, e perguntou:
- Sr. Rafael, o que o traz aqui?
- Hããã... – resmunguei, desconcertado.
- Gostaria de saber o motivo do senhor ter me procurado.
- Ah, sim. Bem, eu nem sei direito. Muitos amigos insistiram, disseram que seria bom. Enfim, estou aqui, eu acho, porque eles acham que eu preciso.
- Mas por que eles acham isso?
- Eles dizem que tenho dificuldade de me relacionar com as mulheres depois que fiquei viúvo. Digamos assim, que não consigo me aproximar delas. Pura bobagem.
- Entendi. O senhor é tímido?
- Não, seletivo – retruquei rapidamente.
- Pois bem. Há quanto tempo o senhor ficou viúvo? E o silêncio irrompeu o ambiente durante uns 30 segundos.
- Doutora, eu posso pedir dois favores? Meu nome é Rafael. Não precisa me chamar de senhor. E gostaria de deixar minha falecida mulher fora dessa conversa. Posso lhe garantir que ela não tem nada a ver com nenhum problema meu. Está tudo superado.
- E por que o Sr...., desculpa, por que você acha isso?
- Bem, digamos que antes dela morrer já tínhamos decidido nos separar. Na verdade, ela decidiu por nós. Dizia que éramos muito diferentes, que não deveríamos ter casado, e que o divórcio era inevitável. Eu não entendi nada, mas aceitei. Uma semana depois que ela saiu de casa, numa madrugada, recebi uma ligação comunicando o acidente. Fiquei muito triste, mas, fazer o quê? Ela já tinha tomado a decisão de não me ver mais. Eu sofri muito, mas não tinha mais nada a ver com ela.
Os minutos passaram, e a cada palavra Ella parecia ficar mais interessada na história, enternecida, e quanto mais eu dizia que não queria falar no casamento, mais ela utilizava subterfúgios para me fazer tocar no assunto. E sorria. Um sorriso meigo e cativante. Mexeu no cabelo, e o cóqui se desfez sem querer, caindo sobre os ombros, e ela ficou mais sexy do que nunca. Eu nem ligava em estar falando sobre o período em que fui casado, estava encantado com aqueles olhos, com aquele sorriso que me provocava. Lá pelas tantas eu pedi um copo de água, só para ver ela de pé. Foi quando tive a certeza de que estava definitivamente apaixonado. Ela levantou – parecia que estava se movendo em câmera lenta –, largou o bloco em que fazia as anotações por sobre a poltrona, e ao andar até a mesa onde estava a jarra de água, pude perceber que a cintura era minúscula, contrastando com aquela bunda maiúscula. Todo o meu corpo enrijeceu. Todo! E sentia um calor infernal a cada vez que ela cruzava as pernas.
Durante a sessão, diversas vezes fiquei extasiado enquanto ela falava, vendo aqueles lábios emoldurando o seu sorriso perfeito. Não uma, mas várias vezes me pegava olhando para ela e imaginava situações em que estávamos juntos, em que éramos um casal. Um casal muito feliz! No final da consulta, agradeci, disse que tinha sido um prazer conhecê-la, e insisti que pretendia fazer umas duas ou três sessões por semana, não obstante a argumentação dela de que não eram necessários tantos encontros.
Na saída, fiquei aguardando o táxi na recepção do prédio, e notei um jovem impaciente ao telefone, falando com a namorada.
- Hoje eu não posso, amor, eu já disse. Tenho fute na facul. E amanhã estou indo pra praia com a galera. A gente vai surfar todo o final de semana... Tá bom, te ligo à noite... Também te amo, gata! E desligou. Olhou para mim, e sorriu. Um rapaz bonito, não fossem as espinhas no rosto, marcas recentes da puberdade. Um sinal sonoro indicava a chegada do elevador. As portas abriram-se, e com passos firmes naquela saia justa a linda Dra. Ella vem na minha direção, sorrindo, o mesmo sorriso de minutos atrás. Passou por mim como se eu fosse invisível, e deu um beijo na boca daquela criança ao meu lado.
Não tenho dúvidas: são todas vagabundas!!!!