segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A RUIVA COM RAIVA



Ainda não lembro de uma vez em que eu tenha pegado um táxi, trocado algumas palavras com o motorista, e ele não tenha se achado íntimo para me contar uma história mirabolante, por vezes sobre um casal de passageiros que o convidou para fazer um ménage à trois, ou de duas meninas de 20 anos que queriam experimentar com ele uma aventura digna de um filme pornô.
Dessa vez, algo naquele homem de cinqüenta e poucos anos fez com que eu acreditasse na história que ouvi. Irani Pedro Soares – era o nome que aparecia na placa de registro – pareceu-me um homem calado, até que comentei qualquer coisa sobre uma loira deslumbrante que passava perto do táxi.
- Linda, realmente linda, mas nem perto da passageira que apareceu há uns três meses atrás! – retrucou ele.
E sentindo que queria falar sobre ela, incentivei-o, num tom pouco interessado.
- Tá bom, se o Sr. quer ouvir eu conto - disse ele.
E desfez-se a minha ideia sobre taxistas que falam pouco.
- Um dia desses, recebi uma chamada por volta das 19h pra pegar uma passageira. Sei exatamente a hora, porque era praticamente a minha última corrida. Quando cheguei pra pegá-la, saiu da portaria de um edifício uma mulher linda, devia ter uns 35 anos, ruiva, olhos azuis, usando botas de couro e uma saia marrom, e dava para ver que a moça tinha uma cinturinha fina e quadris que escondiam alguma safadeza.
Comecei a rir e devo ter repetido em voz alta as suas últimas palavras, porque ele parou de falar e começou a me olhar desconfiado. Pedi desculpas e insisti pra que continuasse.
- Bem, ela era uma lindeza, e perguntou se eu tinha tempo e gostaria de ganhar um bom dinheiro. O Sr. sabe, vida de taxista não é fácil, “de formas” que faço qualquer coisa pra ganhar um dinheirinho extra. Só que já fui avisando que sacanagem eu não faço, nem nada ilegal. E ela disse pra eu não me preocupar. Quando chegamos na Av. Sete de Setembro, ela pediu para ficarmos esperando no táxi, e não tirava os olhos de um prédio, acho que era uma agência bancária. Depois de quase meia-hora ali, e depois de conversarmos um pouco, apareceu um homem alto com o braço em volta da cintura de uma morena muito bonita, mas certamente não tão bonita quanto a minha passageira. Foi quando olhei pelo espelho retrovisor e vi que estava furiosa, as buchechas vermelhas, numa combinação com os cabelos que chegava a dar medo, parecia que ia pegar fogo, e gritava coisas que nunca imaginei ouvir de uma mulher daquelas. O Sr. sabe o que eu quero dizer, mulher que nem ela, que aparenta ter caráter a gente nem desconfia que tem a boca suja.
E eu só pensava o que é que o caráter tinha a ver com isso, mas...
E ele prosseguiu:
- Pois então, não é que o desgraçado era marido da moça, e depois de abrir a porta para a morena, entrou no carro e saiu. Deu pra ver que ela não era nenhuma amiguinha, porque em cada sinaleira dava umas “bitoquinhas” na safada. A dona Eliana, minha passageira, só me pedia para continuar seguindo o marido de longe, que dinheiro não era problema, e foi o que fiz. Segui-o durante mais uma meia-hora, ouvindo tudo que era desaforo e lamentação, até que o sujeitinho... - e virou-se para mim, talvez para ver se eu estava prestando atenção:
- O Sr. nem vai acreditar onde é que ele entrou?
- Num motel, eu acho!? – numa tentativa curiosa para que ele pudesse terminar a história antes de chegar ao meu destino.
- Exatamente! E a mulherzinha atrás de mim parecia que tava tendo um ataque, gritando que ia se vingar, que ele era um canalha, que ela tinha sido uma idiota, e outras palavras que tenho até vergonha de repetir. Só sei que depois de um tempo pediu para que eu a levasse a um bar, porque ela queria “encher a cara”. E foi aí, moço, que eu me empolguei.
- Por quê? – indaguei apressadamente.
- O Sr. não vai imaginar o que ela disse?
- Fala logo, meu amigo!!! – retruquei sem paciência, embora estivesse me divertindo com aquela história.
- Ela disse que ia dar para o primeiro homem que aparecesse na frente dela. Fiquei todo emocionado, cheguei a estufar o peito. O Sr. nem acredita, mas tava tão perturbado com o que ela tinha dito, que cheguei a falar que ia cobrar só a corrida, e que não queria mais nenhum dinheiro dela. A moça sorriu, agradeceu, e entrou no bar, pediu um uísque, me ofereceu outro, mas eu disse que estava trabalhando e não podia. Depois de umas três doses já estava bem faceira, e disse que queria ir para casa, que ia se arrumar, e repetiu que ia dar para o primeiro homem que visse. Fiquei pensando o que é que eu era, pra ela ficar repetindo isso a toda hora. Só sei que entrou no táxi e pediu para levá-la até em casa, e esperasse, que queria ir a alguma boate, porque precisava encontrar um homem naquela noite. A essa altura eu já tinha até me arrependido de dizer que não ia cobrar o tempo extra.
- E onde é que o Sr. a levou?
- Calma, moço! Cheguei na casa dela, e foi aí que me pediu pra subir e esperar lá em cima. Cheguei a ficar suado, só de pensar. “Agora me dei bem!”, eu pensei. Ela abriu a porta, entrou no apartamento, e disse que já voltava. Não é que ela voltou mesmo, bem rapidinho, só de calcinha e sutiã. Uma loucura de mulher.
- Então, o Sr. conseguiu?
- Quem dera! Sem querer, devo ter feito uma cara de tarado, porque ela pediu desculpas, e saiu correndo. E eu só repetia em voz alta: “Agora eu já vi!”, “Agora eu já vi!”, mas era tarde.
- E ela?
- Pois é, saiu correndo, eu não sabia se ia atrás dela, mas foi aí que ela gritou lá de dentro, dizendo que ia se arrumar e pediu pra eu esperar. E não parava de pedir desculpas. Comecei a ficar até com raiva da desgraçada. Quando ela voltou toda arrumada, bem cheirosa, a raiva passou...
Nesse instante, o táxi chegou na frente do prédio em que eu tinha que desembarcar. Mas antes de descer, perguntei:
- E o que aconteceu depois?
- Nada, moço. Nadica de nada! Só sei que alguém se deu bem aquela noite, e não fui eu. Mas a dona Eliana ainda me liga sempre... sempre que precisa de um táxi.

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