quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

UM VELHO RIVAL


Eram irmãos, mas já implicavam um com o outro desde criança, competindo por qualquer coisa. Ernesto e Geraldo, na verdade, valorizavam essa rivalidade, e diziam até que isso servia de incentivo para serem os melhores. Geraldo, por ter nascido antes, sempre ouvira dos pais a obrigação de cuidar do caçula, mas também sempre se aproveitava disso para impor ao irmão que o respeitasse, afinal de contas era o mais velho. Brigavam por qualquer coisa, desde um brinquedo que um havia ganho de aniversário e o outro não, até por coisas mais delicadas, como na adolescência, quando começaram a disputa por namoradas.
Quando adultos, resolveram morar sozinhos. Ernesto, por gostar muito das paisagens de Porto Alegre, em especial a do pôr do sol do Rio Guaíba, fixou residência próximo à Zona Sul da cidade. O outro decidiu que iria morar bem longe do irmão, de preferência na Zona Norte, mas por se sentir responsável por ele, e por ter feito uma promessa aos seus pais de que iria cuidá-lo sempre, acabou comprando um quitinete na Azenha. E pensava: “nem tão longe para que eu possa ficar de olho, nem tão perto para que ele possa vir me visitar a qualquer hora”.
Por coincidência do destino, ou não, ambos começaram a trabalhar com publicidade, e cada qual havia montado a sua própria agência. Consideradas as melhores do Estado, a cada ano competiam entre eles, e com outras agências do país, no intuito de mostrar que possuíam um diferencial, as melhores idéias, os melhores profissionais do mercado. Mas a competição era tanta, que às vezes chegavam a ajudar outras empresas do ramo só para ter a satisfação de ver o irmão “quase” levar o prêmio.
Nesse ano, isso se repetiu. Desde o início, Ernesto era considerado o favorito, e isso era evidenciado a cada mês, quando apresentava os seus trabalhos com tamanha dedicação que sempre acabava atingindo excelentes resultados. Por consequência, era praticamente questão de tempo para que lhe entregassem o prêmio, e isso iria ser também uma vitória para seus clientes, que sempre acreditaram no trabalho de sua agência, e reconheciam nela uma empresa sólida e com anos de experiência no mercado.
Acontece que as coisas começaram a não dar tão certo, os funcionários foram ficando relapsos, e o próprio Ernesto já não andava tão atento ao trabalho, até que uma empresa carioca, que não representava nenhum risco, decidiu contratar dois profissionais de renome, e começou a apresentar resultados supreendentes.
Mas havia uma saída. A ajuda de Geraldo poderia ser fundamental para que o prêmio viesse parar nas mãos da empresa de Ernesto. Certamente isso não seria fácil, inclusive porque a empresa daquele, não obstante o sucesso do passado, estava passando por sérias dificuldades, sem olvidar da rivalidade que sempre imperou na relação de ambos.
Nesta perspectiva, todos se perguntavam: Geraldo estaria disposto a abrir mão dessa antiga animosidade, e pôr fim a um embate que já durava uma vida inteira?! A resposta viria num domingo ensolarado, quando Geraldo foi até o Rio de Janeiro apresentar um trabalho feito por seus funcionários. No caminho, durante o vôo, seus pensamentos retornaram ao passado, e lembrou-se de todos aqueles momentos em que dependeu da ajuda do irmão. Tinha consciência de suas limitações, mas sabia que com algum esforço tudo poderia mudar, e o prêmio ficar em família.
“Em família, que ridículo!”, pensou ele.
Finalmente decidiu-se. Não prejudicaria Ernesto, afinal de contas era seu irmão. E concluiu, pensando em voz alta, sentindo-se livre da promessa feita aos pais: “Ah, mas ele já é bem grandinho, e sabe se cuidar!”
Durante a reunião, o projeto foi apresentado a um grande cliente, que se impressionou com os detalhes e o esforço empreendido, mas não viu a possibilidade de grandes resultados, pois não era o que o mercado necessitava. Optando pelo projeto daquela grande empresa carioca, dispensou a de Geraldo, que retornou a Porto Alegre pouco satisfeito com a derrota, mas com um leve sorriso nos lábios.
No mesmo dia, o Flamengo venceu o Grêmio por 2 x 1, e sagrou-se Campeão do Brasileirão. O Internacional ficou com o vice-campeonato, e com uma lição: apesar do profissionalismo das equipes, sempre haverá espaço para o deboche.

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