quarta-feira, 14 de março de 2012

AS CARTOMANTES (Parte 1)


O casamento de Raul e Ana estava com os dias contados. Havia adquirido o hábido de ficar até tarde no trabalho só para não ter que chegar cedo em casa e discutir com a mulher, ouvir ela dizendo que não aguentava mais, que ele precisava mudar, que tinha que achar um emprego melhor, que deviam procurar um terapeuta, que isso e aquilo. Na verdade, ele não aguentava era a insatisfação constante. Até já estava se convencendo de que o casamento não tinha mais jeito, e de que o melhor era por um ponto final. Só não tinha certeza disso, porque ainda gostava da vida que levava ao lado dela, do carinho que sentia por Ana.
Numa certa tarde, ouviu Nara, uma colega do escritório, comentando com Beto, seu amigo e também colega, que tinha conhecido uma cartomante sensacional. Fez um relato minucioso das previsões e apontou diversas situações em que a vidente havia acertado o seu passado. E ouviu ela concluir a conversa com um tom emocionado:
- Sinto que sou outra pessoa! Começo a ver uma luz no fim do túnel...
Beto virou-se para Raul com um certo olhar de deboche e, em resposta, limitou-se a resmungar um "que bom!", e voltou a trabalhar. Durante toda a tarde, Raul não parava de pensar no que havia ouvido, e, ao final do expediente, quando Nara foi embora, chamou o colega:
- Beto, o que você acha de marcar uma hora com ela.
- Com ela quem?
- A cartomante.
- Você tá louco? Essas pessoas são estelionatárias e não dizem nada que preste. Se acertam alguma coisa, saem no lucro. No mais, só servem pra enganar trouxas!
- Mas é que...
- Não tem essa história de mas... não vou e está encerrado!
- Cara, sério, não custa matar a curiosidade. Eu pago pra você também!
Depois de uns minutos de insistência, Beto concordou, afinal de contas não ia sair do bolso dele o valor daquilo que ele chamava de "perda de tempo". Ligou para Nara, anotou o telefone, e em poucos minutos já haviam agendado um horário com a cartomante para a semana seguinte.
Chegado o dia, antes de ir para o trabalho, foram à casa da vidente. Ela mesma abriu a porta, e indicou um sofá na sala para que um deles sentasse, enquanto o outro seria atendido. Raul foi o primeiro.
Sentado numa cadeira na mesa da cozinha, ficou um pouco decepcionado, pois o lugar não possuía a aura de mistério que imaginava. Os únicos detalhes que denunciavam o local era um incenso que fora acendido e posicionado sobre a mesa e um baralho de cartas de tarô muito velho, o qual Leonora embaralhara e pedira para ele cortar.
Depois de algumas informações, as quais ele considerou inúteis, ela disse:
- Vamos falar de aspectos da vida pessoal. Quanto ao seu relacionamento, presumo que não esteja bem.
Ele, um pouco desconfiado, perguntou:
- Você... você está vendo isso nas cartas?
- Na verdade, foi você quem me disse há uma semana atrás, por telefone.
- Ah, é verdade - respondeu, um pouco decepcionado.
- Pois bem, vamos lá... hummm... olhe essa carta! Ela diz que alguém aparecerá em sua vida muito em breve.
- Breve quando? Eu ainda vou estar casado?
- Muito em breve... antes que você possa esperar.
- Mas como, eu não quero trair minha mulher.
- Raul - disse Leonora, segurando as mãos dele, e olhando-o fixamente. - Você sente falta de algo, de uma emoção, de um beijo capaz de tirar o fôlego, de te levantar do chão, e é isso que está faltando em seu casamento. Empolgação, vida!!! Pois bem, essa pessoa que vejo é morena, olhos claros, e não é da Capital.
- Tudo bem, mas eu não conheço ninguém com essas características, não estou interessado em ninguém, eu amo minha mulher, e...
Nesse instante, o telefone tocou. Ela pediu licença e atendeu. Raul ficou ouvindo desinteressado a conversa de Leonora com uma pessoa que ao final do telefonema identificou-se como Ana, o mesmo nome de sua esposa. Ela insistia que precisava ser atendida, e a cartomante dizia que não tinha horário naquela manhã.
- Está bem, vou abrir uma exceção, Ana. Meio-dia então! - e desligou o telefone, pedindo desculpas a ele.
E continuou:
- Onde eu estava... ah, sim... então, você conhecerá alguém e essa pessoa irá mexer com sua vida!
Conversaram mais um pouco sobre isso, pagou a consulta, e dirigiu-se à sala. Lá chegando, o amigo viu no rosto de Raul a decepção. Pensou em dizer, "eu avisei", mas preferiu sorrir com um ar de deboche. Era a sua vez de ser atendido.
Raul, sozinho na sala, pegou uma revista e ficou aguardando. Minutos depois, a campanhia tocou. Ele aguardou uns instantes, e como ninguém atendeu, decidiu abrir a porta. Uma jovem alta e bonita entrou na sala, falando que era Ana, e que havia marcado uma consulta. Ele disse para ela esperar na sala, explicou também ser um cliente, e que Leonora estava atendendo. Sentaram-se um de frente para o outro, cada qual em um sofá. Volta e meia ele esticava os olhos e a observava, sem muito interesse. De repente, ela levantou-se, tirou os óculos escuros e a jaqueta, e ele ficou extasiado com o corpo de Ana, que vestia uma roupa de ginástica delineando cada parte do seu corpo. A cor de seus olhos era de um azul vivo e o cabelo escuro contrastava, de uma forma intensa, a energia juvenil daquela mulher. Não conseguindo se conter, conversou de forma animada com ela, falaram sobre música, viagens, e outros assuntos, o que fez com que a hora passasse rapidamente. Perto do meio-dia, Leonora entrou na sala com Beto, e todos se despediram. Na saída, Raul olhou para trás e percebeu que a jovem também o observava. Ficou envergonhado!
No caminho para o trabalho, conversaram sobre a cartomante, e Beto só reclamava. Dizia que tinha perdido uma hora de sua vida graças à insistência do amigo. Raul, a seu turno, confidenciou a ele o que Leonora havia dito sobre a morena de olhos claros que apareceria em sua vida.
- Beto, pode ser ela. Aquela moça que estava na sala comigo!!!
- Sim, agora você vai começar a achar que toda mulher que tiver olhos claros e cabelos escuros quer dar pra você! Por favor!!!
- Mas é que... ah, não sei, acho que você tem razão! É loucura da minha cabeça...
Foram almoçar num restaurante próximo ao escritório, e quando estavam pagando a conta, o celular de Raul tocou:
- Alô, Raul?
- Sim, quem fala?
- É a Ana, a gente se conheceu na cartomante.

CONTINUA...

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