quinta-feira, 10 de novembro de 2011

MEU LUGAR OCULTO

"La Piel Que Habito", título original do novo filme de Pedro Almodóvar, é daquelas películas que impressionam não só pelo choque de surrealismo e alguns toques de humor negro, mas pela pecularidade de uma história original, e questionamentos dramáticos bem distantes do lugar comum.
Para quem não gosta do cineasta, e não pretende ver o filme, vou fazer uma pequena sinopse, para entenderem do que vou falar. Mas não se preocupem aqueles que vão assisti-lo, pois não contarei nada que possa comprometer qualquer expectativa, até porque, em minha humilde opinião, a obra de Pedro Almodóvar tem características tão individuais, que a surpresa, a sensualidade e, até mesmo, o choque são personagens a parte.
A história narra o cotidiano de um famoso cirurgião e cientista, interpretado por Antônio Banderas, que faz experiências para criar uma pele humana diferente, mais resistente e imune a queimaduras. Por questões éticas, os colegas de profissão posicionam-se contra as experiências em humanos, sem saberem que ele já obteve êxito na descoberta ao utilizar como cobaia, durante alguns anos, a linda Vera, que vive como prisioneira dentro da mansão do médico, sendo vigiada constantemente. Tudo vai se desenrolando sem muita empolgação, até que os motivos da prisão domiciliar, os traumas decorrentes pela morte da mulher e da filha do cientista, e todos os dramas vividos pelos personagens impulsionam o espectador para dentro da trama.
Poderia discutir inúmeras questões levantadas no filme, como por exemplo a falibilidade humana traduzida pela vingança, ou desdobramentos multifacetados da violência sexual, e a dualidade entre amor e ódio. Mas não vou fazer isso, até porque teria que contar o filme, o que, como disse, perderia toda a graça! A minha pretensão com esse texto é abordar, de forma sucinta, uma única questão que se mostra tão singela, e que quase passa despercebida.
A personagem Vera, interpretada pela linda atriz Elena Anaya, sofre um drama de identidade que a direciona para uma sexualidade que não lhe pertence, na medida em que, à toda evidência (e é preciso assistir ao filme para entender essa obviedade), não faz parte de sua essência. Todavia, o que causa estranheza é a calma com que lida com a situação, haja vista que nada justificaria a punição a que esteve sujeita durante anos, e que deixou "marcas" definitivas em seu corpo. Mas, considerando a conclusão a que chegarei, ninguém é responsável pelos atos dos outros. E, em certa parte do filme, ela está assistindo a um programa de televisão, em que uma praticante de Ioga destaca a importância de encontrarmos dentro de nós mesmos um lugar onde ninguém pode alcançar, intocável, e no qual podemos nos refugiar para mantermos nossa verdadeira essência. Acredito que nesse ponto é que reside a explicação para a aparente tranquilidade da personagem.
A Ioga é um método eficaz para isso. A simples meditação, de qualquer forma, e bem conduzida, também auxiliaria nesse contexto. O fato é que não há dúvidas da existência desse lugar, o qual, de uma forma abstrata, protege-nos de qualquer coisa, por vezes, até de nós mesmos. Tenho a certeza de que, para encontrá-lo, há um verdadeiro labirinto, do qual somos os únicos que conhecemos o caminho. É nesse lugar que repousa a paz de espírito, resultado da tolerância e humildade a que somos testados todos os dias.
No filme, até certa parte, convenci-me de que ela havia encontrado essa paz interior, essa liberdade de espírito, esse lugar no qual ninguém poderia alcançá-la, e onde estaria protegida de qualquer mal. Entretanto, ela o fez para sobreviver, na constante agonia que tinha de tirar a própria vida. E só isso! Não me parece tenha compreendido todo o contexto, apesar da dramaticidade da história.
Para mim, a lição de se ter essa paz interior remete a conclusão diversa: podem aprisionar nossa liberdade, afligir o nosso corpo, mas, quando repousamos à noite, temos que ter a consciência limpa para que possamos divagar com pensamentos leves e bons, que não nos persigam diariamente. Não é fácil, tenho consciência disso, mas tudo acontece por uma razão. Disso eu tenho certeza! Não é conformismo, até porque são nossos atos que remetem a isso. Mas fazer o bem, para si e para os outros, melhorar constantemente, enfim, buscar a razão de existir, e aprender com isso, são situações que deveriam acompanhar a vida de todos.
Dessa forma, qualquer ato que traia esse ideal, que macule nossa consciência, que não implique serenidade, acarretará uma tortura natural e constante, em nossos pensamentos e em nosso cotidiano, impondo a escravização do nosso espírito. E, lembre-se: ele só pode ser aprisionado por uma única pessoa... por você mesmo, independente do corpo que habite!

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