domingo, 2 de outubro de 2011

O PASTEL

Tinha saído cedo de casa e, apressada, não havia tomado o café, porque o médico tinho lhe pedido para ser uma das primeiras a chegar, que talvez conseguisse encaixá-la em algum horário. De fato, foi atendida, mas apenas no final daquela manhã, em que tudo conspirava para testar sua paciência. Ligou para o chefe e explicou o atraso, e afirmou que estava saindo do consultório e, dali a meia-hora, estaria chegando ao trabalho. Atrasada, decidiu comer qualquer coisa pelo caminho, algo rápido e que pudesse aliviar a fome, que começava a incomodar o estômago. Também pudera, a última refeição havia sido aquele sanduíche no final do dia anterior.
No caminho para o escritório, pensou na pastelaria da esquina, que servia um pastel de carne com azeitonas que era uma maravilha. E um refrigerante bem gelado! De imediato, sentiu a água acumular em sua boca. Podia também passar na loja de empadas ao lado, e comprar aquela de camarão, que fazia um sucesso nos arredores.
Pastéis, sanduíches, empadas, refrigerantes... quanta porcaria estava ingerindo ultimamente, e pensou em sua genética que lhe favorecia, porque qualquer uma, com a vida sedentária que levava, e considerando o que andava comendo, estaria enorme de gorda. Ela não, apesar de não ser tão alta, era muito elegante, magra, e agora, com aquele novo corte de cabelo, andava sentindo-se bonita e um pouco mais empolgada. Um pouco só, pensou, e lembrou-se como andava desanimada de uns tempos para cá. Nada que umas férias não melhorassem o ânimo, aquela energia que sempre teve, mas que havia desaparecido nos últimos meses de trabalho.
Estava há duas quadras da pastelaria quando recebeu um panfleto de um homem, bem apessoado e sorridente, que lhe falou de um produto que prometia milagres. Olhou para aquele pedaço de papel, e já ia jogá-lo no chão, quando decidiu dar uma olhada rápida, parecendo interessada, talvez para agradar aquele senhor que distribuía aquela propaganda de uma forma tão simpática e gentil. E uma frase escrita no papel a fez parar: "Aumente sua disposição e vigor pela vida com uma alimentação mais saudável!".
Sem que precisasse falar qualquer coisa, aquele homem começou a falar sem parar sobre o produto que prometia, além de mais energia, um meio de alimentação completo e rápido, e que a ajudaria, inclusive, a emagrecer ou a engordar um pouco mais, dependendo do que ela pretendesse.
Ele continuou explicando como funcionava, e apontou a porta de um prédio, numa rua próxima e completamente deserta. Lá, disse ele, eram servidos sucos, chás e shakes à base de um produto que ela já ouvira falar, e que, segundo ele, possuía tudo o que era necessário para saciá-la de uma forma sadia e correta, substituindo uma refeição. Perguntou se ela queria lhe acompanhar, que seria rápido, e uma experiência que ela não se arrependeria. E ela o seguiu, um pouco desconfiada, e pensando: "o que estou fazendo?" Mas continuou caminhando.
Quando o homem abriu a porta, e ela entrou, ouvindo, de imediato, às suas costas, a porta fechando, foi o momento em que se sentiu arrependida. A sala era pequena, com algumas prateleiras, e uns potes que faziam referência ao produto anunciado. Não era muito iluminada, e ele pediu que a acompanhasse através de outra porta mais ao fundo. Ela já não sabia mais se deveria ir, porque talvez passar daquela porta significasse não ter mais como pedir socorro, uma vez que ninguém sabia onde ela estava. E se ele fosse um louco, e se quisesse machucá-la, e se tudo não passasse de uma fachada para roubar os seus órgãos, como havia lido em um email tempos atrás. Mas ficou constrangida pelos seus pensamentos, e o homem, percebendo sua insegurança, disse que lá atrás, sua mulher era quem preparava os produtos.
Ela ficou mais tranquila, porque ouviu vozes, e decidiu acompanhá-lo mais um pouco.
Ao chegar lá, a porta novamente fechou-se atrás dela, e pode observar umas três pessoas sentadas, um tanto quanto caladas, tomando líquidos em copos e chícaras. O cheiro do local lembrava a casa da avó, talvez pela umidade e o frescor dos chás que emanavam no ambiente.
Ela sentou-se, e uma mulher que se apresentou como "a esposa" perguntou o seu nome, e, depois de uma rápida conversa, pediu que ela aguardasse, e seguiu para uma área da sala separada por uma cortina, que percebeu ser a cozinha do local.
Minutos depois, ela estava tomando um chá amargo, e sentiu que todos a olhavam. E o homem não saía do seu lado. O medo novamente se apossou dela. Por que ele não parava de encará-la. E se aquelas pessoas estivessem ali participando de tudo com o casal? E se ela fosse a vítima perfeita? E se tivessem colocado algo em seu chá para que ela desmaiasse? Eram tantos "e se" que ela tomou o chá tão rápido que queimou a língua. Decidiu ir embora, mas a mulher já vinha com um copo cheio de um líquido branco, o que fez com que ela voltasse a sentar. O gosto também não era bom.
E o desespero só aumentava. Ela começou a sentir um calor no corpo, aquilo não estava certo, e uma espécie de pavor tomou conta dela, e sem pensar em nada largou o copo e levantou-se muito rápido. Sentiu tudo girar, um calafrio no corpo inteiro, pensamentos de horror, e tudo ficou escuro.
Acordou num quarto pouco iluminado, sozinha e desnorteada, e lembrou-se de tudo que havia acontecido. Quanto tempo teria ficado desacordada? O que estava acontecendo? Seus medos começavam a fazer sentido.
Procurou pela bolsa e visualizou-a sobre uma cadeira. Imediatamente, levantou-se e apanhou-a com rapidez, procurando o aparelho celular. Precisava avisar alguém, dizer onde estava, se é que ainda estava no mesmo lugar de antes. O celular havia sumido.
- Claro, como sou burra, estava tudo armado. O que vou fazer agora?
Nesse exato momento, alguém aproximou-se da porta do quarto. Ao abri-la, aquela mulher que havia lhe servido o chá apareceu, sorridente, perguntando se ela estava bem.
- O que aconteceu? Onde estou? - falou, afobada.
- Você desmaiou. Acho que estava muito tempo sem comer, pelo que havia me dito. E ficou fraca. - E o meu celular?
- Pois é, quando estávamos te trazendo para cá, ele tocou e tomei a liberdade de atender, e era seu namorado, mostrando preocupação.
- Eu preciso ligar para ele. Onde está o celular, por favor! - falou apressada.
E da porta, uma voz masculina anunciou:
- Não precisa, amor, estou aqui.
Uma sensação de alívio invadiu todo o seu corpo, e ela o abraçou energicamente.
A mulher acompanhou o casal até a porta de saída, e o namorado indagou:
- Que loucura foi essa? O que te deu pra vir aqui?
- Vou te contar tudo... mas primeiro, por favor, vamos até a esquina. Preciso comer um pastel!

Nenhum comentário:

Postar um comentário